terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

Crítica - Lion: Uma Jornada Para Casa

Resenha Lion: Uma Jornada Para Casa


Review Lion: Uma Jornada Para Casa
Lion: Uma Jornada Para Casa é dividido em duas partes bem claras. A primeira mostra um garoto sozinho vagando pelas ruas da Calcutá na Índia depois de se perder da família. A segunda mostra o personagem já adulto tentando encontrar o lar do qual não se lembra tão bem. É uma história sobre como nossas origens moldam quem somos e a importância em saber de onde viemos. A questão é falta equilíbrio entre as duas partes e a segunda não funciona tão bem quanto a primeira.

A trama é baseada na história real de Saroo Brierley (Dev Patel), que quando era criança (interpretado por Sunny Pawar) entrou em um trem e se separou de sua família, saltando dias depois na cidade de Calcutá. Perdido, sem saber falar o dialeto local e sem saber dizer o nome de sua mãe ou da sua cidade natal, acaba sendo levado para um orfanato. Como ninguém vai procurá-lo, Saroo é posto para adoção e é adotado pelo casal australiano John (David Wenham) e Sue (Nicole Kidman). Anos depois, já adulto, Saroo mora com sua namorada, Lucy (Rooney Mara), quando aos poucos começa a se lembrar da infância e resolve procurar sua cidade natal com a ajuda da internet.

A primeira metade do filme, a infância de Saroo, é bastante eficiente em evocar o sentimento de solidão e desamparo do garoto. A câmera o enquadra em meio a multidões, quase desaparecendo em meio ao enorme oceano de pessoas, ou através de grandes planos abertos que mostram o garoto como um ponto ínfimo na imensidão da paisagem. A escolha por manter os diálogos no idioma local também contribui para que o ambiente soe como algo estrangeiro e inacessível.

Já a segunda parte tem sua parcela de problemas. A partir do momento em que vemos Saroo já adulto, não há muito tempo ou esforço para contextualizar as transformações ocorridas no personagem, como é, naquele momento, sua relação com os pais ou o irmão adotivo. Temos breves indicativos dessas coisas, mas o filme não consegue nos fazer entender como as coisas se tornaram daquele jeito. A trama corre logo para o momento em que ele já está morando com a namorada e começa a procurar a família.

Dev Patel é ótimo em trazer a sensação de constante deslocamento do rapaz, com um olhar introspectivo que dá a impressão de que ele não está no presente, mas revivendo os momentos de sua infância tentando encontrar pistas de como encontrar sua cidade natal. O personagem parece constantemente inquieto e atormentado, como se tivesse uma coceira que não conseguisse coçar e Patel nos ajuda a entender o peso e a força dessa obsessão com o passado que Saroo tem.

Além de correr muito, fazendo saltos temporais que muitas vezes não deixam claro quanto tempo passou ou qual o estado das coisas naquele momento, o miolo dessa segunda parte parece uma grande publicidade para o Google Earth. O filme usa uma quantidade de tempo considerável para nos mostrar com detalhes tudo que o personagem foi capaz de fazer com o aplicativo e ainda insere alguns diálogos expositivos entre ele e os amigos nos quais eles explicam algumas de suas funcionalidades.

Apesar do excesso de tempo devotado a isso, o filme volta a funcionar quando se aproxima de seu desfecho, ao resolver melhor a relação entre Saroo e sua família adotiva e ao mostrar sua viagem à Índia. Há uma emoção bastante genuína em seus diálogos com a mãe adotiva, alguém que escolheu não ter filhos e recorrer à adoção para dar uma chance a crianças que de outro modo provavelmente teriam uma vida bastante difícil. Nicole Kidman, apesar do relativo pouco tempo de tela, traz uma presença cheia de afeto, ternura e calor humano e sempre que ela está em cena transparece um amor incondicional dela para os filhos adotivos. Mesmo quando ela está visivelmente magoada, ainda há uma afeição bastante verdadeira no seu olhar. A emoção também vem e nos pega nos momentos finais, quando Saroo finalmente visita sua cidade natal à procura da mãe e do irmão.

Em geral não sou afeito a epílogos que contrapõem as imagens dos atores com as pessoas reais que eles interpretaram. Um filme deve nos engajar independentemente de sabermos ou não se a história contada é real ou pura ficção e o recurso de mostrar os indivíduos reais muitas vezes soa como um grito de desespero da obra em tentar nos fazer aderir à história quando todo o restante não conseguiu.  Aqui, no entanto, acabou funcionando, já que o desfecho da trama traz uma potência emocional que me fez embarcar junto das imagens reais que vieram depois, em especial o encontro entre as duas mães do protagonista.

Lion: Uma Jornada Para Casa tem sua parcela de problemas de ritmo e em certo momento soa como um vídeo publicitário, mas funciona devido ao afeto e cuidado que tem com a história contada e pelas performances de Dev Patel e Nicole Kidman.


Nota: 7/10

Trailer

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