segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

Crítica - Moonlight: Sob a Luz do Luar

Análise Moonlight: Sob a Luz do Luar


Resenha Moonlight: Sob a Luz do Luar
A busca por identidade e/ou afeto é algo com o qual praticamente qualquer um pode se identificar. É justamente o entendimento da universalidade e, arrisco dizer, atemporalidade de sua narrativa, mas sem perder as particularidades dos personagens ou ambiente que retrata, que este Moonlight: Sob Luz do Luar funciona tão bem.

O filme é centrado em Chiron (Alex R. Hibbert/Ashton Sanders/Trevante Rhodes), um jovem da periferia que precisa lidar com sua mãe ausente, Paula (Naomie Harris), e viciada em crack e com uma constante sensação de inadequação em relação aos demais garotos de sua idade, em especial pelo fato deles constantemente lhe direcionarem insultos que o garoto não faz ideia de que se tratam de ofensas homofóbicas. Fugindo da perseguição de colegas, ele acaba topando com Juan (Mahershala Ali), com quem desenvolve uma relação paternal.

É um daqueles filmes que poderia facilmente descambar para o exagero dado o cotidiano de violência e drogas no qual o garoto vive desde muito novo, mas o roteiro escrito pelo diretor Barry Jenkins trata a jornada de autodescoberta e busca por afeto (parental e romântico) de Chiron com bastante equilíbrio, sobriedade e também lirismo, conseguindo encontrar o sublime mesmo em momentos que parecem extremamente banais.

Um desses momentos é a cena entre o protagonista e Juan na praia, quando o traficante lhe ensina a nadar. É um momento de comunhão e empatia em que sentimos um poderoso laço sendo forjado, evidenciado não apenas pela música, mas pelo modo como Juan segura a cabeça de Chiron remetendo a um batizado. Juan, por sinal, tem uma presença pequena, mas que irá impactar o garoto pelo resto da vida, não apenas pela profissão que o jovem invariavelmente assume, mas até mesmo o modo como ele se veste, da touca preta, passando pelo grill dourado nos dentes ou a coroa no painel do carro. É como se Chiron tivesse se baseado nele para criar sua persona de "macho alfa" no universo criminal.

Parte do impacto causado por Juan vem também da interpretação de Mahershala Ali (que entre esse filme, Estrelas Além do Tempo e das séries House of Cards e Luke Cage, apresentou um impressionante corpus trabalho em 2016) como um homem endurecido pela realidade que vive, mas que guarda em si uma grande dose de ternura e tenta genuinamente ajudar Chiron a lidar com seus problemas e a se manter afastado do crime. De certo modo, é como se visse algo de si naquele menino e tentasse buscar nele alguma redenção, em especial por ser ele quem vende drogas à mãe do garoto, ação à qual demonstra vergonha quando Chiron inocentemente pergunta se ele vende drogas.

Além de Ali, o restante dos coadjuvantes também faz um ótimo trabalho ao construírem as figuras adultas que guiam a jornada de amadurecimento do protagonista. De Naomie Harris como a mãe drogada de Chiron, que podia ser facilmente transformada em vilã, mas é concebida como uma mulher que tem uma preocupação e amor verdadeiros pelo filho, mas já está tão destruída pelo vício que é incapaz de lhe dar o direcionamento e afeto que precisa. O que fica evidente quando ele a reencontra, já adulto. Do mesmo modo, Janelle Monae (que também esteve muito bem em Estrelas Além do Tempo) vive a namorada de Juan, que acaba suprindo as necessidades maternais do garoto, e a atriz dá a ela a mesma ternura e compreensão tão verdadeiras que vimos emanar do personagem de Ali.

O esforço dos coadjuvantes, no entanto, de nada valeria se os três atores que vivem Chiron em suas diferentes fases da vida não fossem tão bons em evocar a inadequação e carência do garoto. Se no início ele não entende o motivo de se sentir tão diferente, na adolescência o vemos ser brutalizado simplesmente por tentar ser quem é e enfim ele forja uma outra identidade para ser aceito quando adulto, até que a possibilidade de ser sincero consigo mesmo bate à porta.

A fotografia preza por tons de neon, enchendo o quadro de reflexos em rosa (em especial nas cenas com sua mãe) e também em azul, algo justificado por uma fala no início sobre o modo como a pele negra reage à luz noturna. A música ajuda a transformar o cotidiano e os momentos de descoberta do garoto em momentos de sublimação e transcendência e o filme também faz um uso bem preciso de canções não originais, em especial Hello Stranger de Barbara Lewis próximo ao fim ou mesmo Cucurrucucú Paloma cantada por Caetano Veloso.

Moonlight: Sob a Luz do Luar é uma delicada e envolvente trama sobre autodescoberta e aceitação, nos lembrando de como a busca por afeto e conexões com outras pessoas é algo essencial à experiência humana.

Nota: 9/10

Trailer

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