terça-feira, 21 de março de 2017

Crítica - Fragmentado

Análise Fragmentado


Review Fragmentado
A carreira do diretor M. Night Shyamalan tem sido uma montanha russa. Depois de um excelente começo em O Sexto Sentido (1999) e Corpo Fechado (2000) para depois descer a coisas indefensáveis como A Dama na Água (2006) e Depois da Terra (2013) e então começou a se recuperar no bacana A Visita (2015). Esse Fragmentado parecia ser o próximo passo do diretor em retornar aos seus tempos áureos e prometia ser tão bom quanto seus dois primeiros filmes. Certamente é melhor do que as bombas que ele fez de 2006 a 2013 e talvez seja um pouco melhor do que A Visita, mas, lamentavelmente, passa longe dos melhores momentos de sua carreira.

Na trama, a jovem Casey (Anya Taylor-Joy, do excelente A Bruxa) e suas amigas Claire (Casey Lu Richardson) e Marcia (Jessica Sula) são sequestradas por um homem misterioso que as tranca em um porão e diz que elas serão alimento para uma entidade chamada de A Besta. O estranho parece se comportar de maneira errática, mudando suas roupas e modo de falar de tempos em tempos. Aos poucos, descobrimos através de sua terapeuta que ele se chama Kevin (James McAvoy) e tem transtorno de personalidade múltipla, possuindo nada menos que três personalidades.

O começo é um pouco problemático. Já em uma das primeiras cenas a narrativa tenta construir suspense de maneira bem implausível, com  Kevin entrando no carro das garotas parecendo não ver visto Casey no banco do carona (o que é virtualmente impossível) e a demora da garota em tentar algo a respeito mesmo sendo evidente para ela o que está acontecendo. A partir daí, no entanto, o filme é mais eficiente ao construir a tensão, investindo nas nossas incertezas e naquilo que não é plenamente visto, com as garotas tentando entender o que acontece ao observarem Kevin por uma fresta na porta. Assim como já tinha feito em Sinais, Shyamalan faz um hábil jogo de esconde com as personalidades de Kevin e o propósito de cada, o que nos deixa em constante tensão cada vez que nos deparamos com uma nova, sem saber se é hostil ou não.

Também cria momentos de puro pavor, como toda a sequência em que Claire tenta escapar por um duto de ventilação e é perseguida pelo vilão, se escondendo, por fim, em um pequeno armário. Os corredores apertados, a pouca iluminação e o fato das personagens enxergarem por pequenas frestas contribui para a atmosfera de desamparo e claustrofobia.

James McAvoy é ótimo ao construir as muitas personalidades do vilão, mudando seu modo de fala, timbre e linguagem corporal e aos poucos somos capazes de identificar cada uma delas apenas pela voz. O melhor momento talvez seja o que uma de suas personalidades tenta se passar por outra e o ator consegue dar indicativos bastante sutis que aquele que está ali não é quem diz ser.

Os problemas, como de costume em muitos filmes de Shyamalan, vêm quando o filme tenta fornecer explicações sobre o que acontece e tenta amarrar tudo em reviravoltas. O discurso da terapeuta sobre como pessoas como Kevin são superiores e podem reordenar o corpo e a mente para fazerem qualquer coisa soa como pura estupidez e transforma em chacota um distúrbio mental real e grave. O que acontece com Kevin ao fim não só é bastante previsível por causa da psicologia de botequim da terapeuta, como é tão sem noção que até a própria terapeuta se nega a acreditar, mesmo que contraditoriamente ela tenha passado o filme inteiro advogando que algo assim seria possível.

Não contente com uma grande reviravolta, o diretor ainda tenta enfiar mais duas goela abaixo do público e ambas são igualmente problemáticas. A que envolve Casey é facilmente previsível se prestarmos atenção nos flashbacks dela (que, por sinal, não possuem qualquer outro propósito além de preparar terreno para essa reviravolta) e problemática por fazer parecer que os abusos sofridos pela garota desde a infância "valeram a pena" porque fizeram que sua vida fosse poupada no vilão, como se houvesse um lado bom em ser vítima. Shyamalan parece tão preocupado em pegar seu público no contrapé e criar twists e surpresas que ignora o componente discursivo dessas reviravoltas, essa em especial, e a mensagem repreensível que ela passa.

A terceira e última é a única que realmente surpreende ao mostrar que este filme se passa no mesmo universo de um dos seus filmes mais famosos. Entretanto, ao invés de me empolgar com ela, visto que é meu filme favorito dele, me desanimei ainda mais. Primeiro porque diminui tudo que vimos até então, fazendo todo o filme parecer uma espécie de prólogo de luxo para a continuação deste famoso filme do diretor, quase como se ele tivesse feito Fragmentado só para justificar a realização de uma sequência do que é um de seus melhores filmes. O outro problema é que ao situar os dois filmes num mesmo universo, transfere toda a explicação pseudocientífica imbecil do que acontece com o Kevin para os personagens do filme mais antigo. Basicamente a cena final funciona como a cena das midichlorians em Star Wars: A Ameaça Fantasma (1999), seu diretor acha que está dando uma explicação elegante e inteligente que costura e engrandece seu universo, quando a justificativa não apenas estraga seu filme presente como quebra o encanto de seu trabalho anterior.

Fragmentado apresenta uma premissa intrigante, eficientes momentos de suspense e uma performance poderosa por parte de James McAvoy, mas mais uma vez o diretor e roteirista se auto sabota com sua preocupação excessiva em surpresas e reviravoltas.


Nota: 7/10

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