A carreira do diretor M. Night
Shyamalan tem sido uma montanha russa. Depois de um excelente começo em O Sexto Sentido (1999) e Corpo Fechado (2000) para depois descer
a coisas indefensáveis como A Dama na
Água (2006) e Depois da Terra
(2013) e então começou a se recuperar no bacana A Visita (2015). Esse Fragmentado
parecia ser o próximo passo do diretor em retornar aos seus tempos áureos e
prometia ser tão bom quanto seus dois primeiros filmes. Certamente é melhor do
que as bombas que ele fez de 2006 a 2013 e talvez seja um pouco melhor do que A Visita, mas, lamentavelmente, passa
longe dos melhores momentos de sua carreira.
Na trama, a jovem Casey (Anya
Taylor-Joy, do excelente A Bruxa) e
suas amigas Claire (Casey Lu Richardson) e Marcia (Jessica Sula) são
sequestradas por um homem misterioso que as tranca em um porão e diz que elas
serão alimento para uma entidade chamada de A Besta. O estranho parece se
comportar de maneira errática, mudando suas roupas e modo de falar de tempos em
tempos. Aos poucos, descobrimos através de sua terapeuta que ele se chama Kevin
(James McAvoy) e tem transtorno de personalidade múltipla, possuindo nada menos
que três personalidades.
O começo é um pouco problemático.
Já em uma das primeiras cenas a narrativa tenta construir suspense de maneira
bem implausível, com Kevin entrando no
carro das garotas parecendo não ver visto Casey no banco do carona (o que é
virtualmente impossível) e a demora da garota em tentar algo a respeito mesmo
sendo evidente para ela o que está acontecendo. A partir daí, no entanto, o
filme é mais eficiente ao construir a tensão, investindo nas nossas incertezas
e naquilo que não é plenamente visto, com as garotas tentando entender o que
acontece ao observarem Kevin por uma fresta na porta. Assim como já tinha feito
em Sinais, Shyamalan faz um hábil
jogo de esconde com as personalidades de Kevin e o propósito de cada, o que nos
deixa em constante tensão cada vez que nos deparamos com uma nova, sem saber se
é hostil ou não.
Também cria momentos de puro
pavor, como toda a sequência em que Claire tenta escapar por um duto de
ventilação e é perseguida pelo vilão, se escondendo, por fim, em um pequeno
armário. Os corredores apertados, a pouca iluminação e o fato das personagens enxergarem
por pequenas frestas contribui para a atmosfera de desamparo e claustrofobia.
James McAvoy é ótimo ao construir
as muitas personalidades do vilão, mudando seu modo de fala, timbre e linguagem
corporal e aos poucos somos capazes de identificar cada uma delas apenas pela
voz. O melhor momento talvez seja o que uma de suas personalidades tenta se
passar por outra e o ator consegue dar indicativos bastante sutis que aquele
que está ali não é quem diz ser.
Os problemas, como de costume em
muitos filmes de Shyamalan, vêm quando o filme tenta fornecer explicações sobre o que acontece e tenta amarrar tudo em reviravoltas. O discurso da terapeuta sobre como pessoas como
Kevin são superiores e podem reordenar o corpo e a mente para fazerem qualquer
coisa soa como pura estupidez e transforma em chacota um distúrbio mental real
e grave. O que acontece com Kevin ao fim não só é bastante previsível por causa
da psicologia de botequim da terapeuta, como é tão sem noção que até a própria
terapeuta se nega a acreditar, mesmo que contraditoriamente ela tenha passado o
filme inteiro advogando que algo assim seria possível.
Não contente com uma grande
reviravolta, o diretor ainda tenta enfiar mais duas goela abaixo do público e
ambas são igualmente problemáticas. A que envolve Casey é facilmente previsível
se prestarmos atenção nos flashbacks
dela (que, por sinal, não possuem qualquer outro propósito além de preparar
terreno para essa reviravolta) e problemática por fazer parecer que os abusos
sofridos pela garota desde a infância "valeram a pena" porque fizeram
que sua vida fosse poupada no vilão, como se houvesse um lado bom em ser
vítima. Shyamalan parece tão preocupado em pegar seu público no contrapé e
criar twists e surpresas que ignora o
componente discursivo dessas reviravoltas, essa em especial, e a mensagem
repreensível que ela passa.
A terceira e última é a única que
realmente surpreende ao mostrar que este filme se passa no mesmo universo de um
dos seus filmes mais famosos. Entretanto, ao invés de me empolgar com ela,
visto que é meu filme favorito dele, me desanimei ainda mais. Primeiro porque
diminui tudo que vimos até então, fazendo todo o filme parecer uma espécie de
prólogo de luxo para a continuação deste famoso filme do diretor, quase como se
ele tivesse feito Fragmentado só para
justificar a realização de uma sequência do que é um de seus melhores filmes. O
outro problema é que ao situar os dois filmes num mesmo universo, transfere
toda a explicação pseudocientífica imbecil do que acontece com o Kevin para os
personagens do filme mais antigo. Basicamente a cena final funciona como a cena
das midichlorians em Star Wars: A Ameaça
Fantasma (1999), seu diretor acha que está dando uma explicação elegante e
inteligente que costura e engrandece seu universo, quando a justificativa não
apenas estraga seu filme presente como quebra o encanto de seu trabalho anterior.
Fragmentado apresenta uma premissa intrigante, eficientes momentos
de suspense e uma performance poderosa por parte de James McAvoy, mas mais uma
vez o diretor e roteirista se auto sabota com sua preocupação excessiva em
surpresas e reviravoltas.
Nota: 7/10
Trailer
Nenhum comentário:
Postar um comentário