quinta-feira, 9 de março de 2017

Crítica - Negação

Análise Negação


Review Negação
Alguns filmes valem mais pelas ideias que tentam transmitir do pela maneira como transmitem essas ideias ou mesmo o nível de sofisticação com o qual constrói a retórica para transmiti-las. Este Negação, por exemplo, é cheio de boas intenções, mas derrapa em uma execução monótona e pouco envolvente de uma história real importantíssima (principalmente nos tempos atuais) e acaba valendo mais por sua temática do que qualquer outra coisa.

A trama segue o caso real de Deborah Lipstadt (Rachel Weisz), historiadora judia especializada no Holocausto. Um de seus mais importantes trabalhos de pesquisa foi de mostrar evidências que demonstravam a ocorrência do genocídio em massa de judeus durante o Terceiro Reich. Em seu livro sobre o tema ela criticava duramente os negadores do Holocausto, o principal deles era o britânico David Irving (Timothy Spall), citado no livro dela com palavras pouco laudatórias. Buscando um palanque no qual exibir sua teoria de que não houve Holocausto, Irving processa Lipstadt e sua editora na Inglaterra, já que as leis do país colocam o fardo da prova na defesa e não na acusação. Assim, Lipstadt e seus advogados precisam provar que ele não apenas defende algo que está errado, como o faz deliberadamente para defender ideais racistas e antissemitas.

O foco do filme é no julgamento e ele se apresenta como um drama de tribunal bem típico com brigas entre os advogados da defesa para decidir estratégias, testemunhos surpreendentes e constantes reveses que sobre quem pode estar vencendo. Não é um problema em si que remeta a estruturas padrão, mas como ele pouco faz para ir além da mera reprodução desses lugares comuns.

Rachel Weisz traz altivez, seriedade e paixão para Deborah e o fato de um farsante como Irving tentar intimidá-la (vide a "armadilha" feita por ele no início do filme) a legitimar seu ponto de vista nos faz simpatizar com ela, afinal ninguém gosta de um sujeito metido a valentão. Apesar disso, a personagem não possui qualquer arco dramático, transformação ou convicção. Ela começa o filme com uma crença e argumentos para sustentá-los, sabendo que está certa e apenas demonstra essa certeza, sem ter passado por qualquer evolução ou aprendizado real.

O mesmo pode ser dito da equipe de advogados da historiadora, eles montam uma estratégia no início e a usam do início ao fim, sem que precisem revisar seus preceitos ou aprenderem algo diferente daquilo com o que tinham iniciado. A narrativa tenta forçar alguns pequenos conflitos através de pequenas discordâncias entre Deborah e os advogados, mas são momentos fugazes que são facilmente resolvidos e deixados de lado.

Não ajuda o fato de Irving não se mostrar um oponente a altura dela ao longo do filme. Se a emboscada feita por ele no início o faz parecer um sujeito inteligentemente ardiloso, conforme o julgamento avança vemos que ele é facilmente encurralado pela defesa, se contradiz e não tem nada a mostrar além de frases de efeito vazias de argumentos. Assim, toda e qualquer tensão se esvai, já que dificilmente temos dúvida que Deborah conseguirá provar seus pontos perante o tribunal. Irving não é apenas um sujeito preconceituoso, mas delirante na maneira como acha que está sempre certo e injustiçado e apesar das coisas horríveis que diz é ingênuo em sua ignorância para não perceber que não tem condições de argumentar com Lipstadt e seus pares.

A interpretação de Timothy Spall deixa claro que ele não queria somente validar suas crenças de fundo preconceituoso e antissemita, ele queria também ser visto como um historiador e acadêmico "sério". Isso fica evidente pela sua tentativa de apertar a mão dos oponentes ao fim do julgamento, como se tivesse acabado de participar de um debate amigável e não de um processo jurídico que o expôs como uma fraude. Do mesmo modo, a cena em que os advogados de Deborah o convencem a fazer um julgamento sem júri, apelando para sua vaidade intelectual, revela o tolo ególatra que ele é.

Há um excesso de didatismo no modo como o filme apresenta seus argumentos sobre as negações de Irving, muitas vezes parecendo mais uma videoaula do que uma narrativa ficcional. O filme também não dá conta do volume de informações e argumentos apresentados e muitas vezes fica a sensação de que faltou alguma informação para que chegássemos às mesmas conclusões que os personagens.

Ainda assim, é um filme que não deixa de ser importante em tempos nos quais qualquer um acha que pode revisar a história para moldar as suas crenças. O filme aborda como as opiniões (e as pessoas que a emitem) precisam responder por suas consequências e como o conhecimento não é algo construído por achismos ou teorias bombásticos, mas por um trabalho de pesquisa minucioso obedecendo métodos rigorosos e submetendo descobertas ao constante escrutínio de nossos pares. Se na época em que a trama do filme se passa já existiam figuras como Irving, elas se multiplicam ainda mais nos dias atuais com a internet e as redes sociais.

O escritor e filósofo Umberto Eco uma vez disse que a internet transformou o "idiota da vila" em um arauto de verdades. Uma perspectiva pessimista, mas que não deixa de ser verdadeira, vista a proliferação de impropérios vociferados compartilhadamente em ambientes virtuais. Negação, mesmo com suas falhas (e não são poucas), consegue nos lembrar que esse tipo de conduta não será capaz de ofuscar um conhecimento sólida e compartilhadamente construído através da pesquisa científica.


Nota: 6/10

Trailer

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