sexta-feira, 17 de março de 2017

Crítica - Punho de Ferro: 1ª Temporada

Análise Punho de Ferro: 1ª Temporada


Review Punho de Ferro: 1ª Temporada
A Marvel parecia ter achado um formato de sucesso com suas séries da Netflix. Todas tinham problemas de ritmo, sempre dando alguma travada no fluxo da narrativa em algum momento da temporada (e talvez seria melhor reduzir as temporadas de 13 para 10 ou 8 episódios), mas ainda assim as duas temporadas de Demolidor e as temporadas iniciais de Jessica Jones e Luke Cage eram bastante sólidas ao retratar um vigilantismo urbano mais sombrio e cheio de dilemas morais. Essa primeira temporada de Punho de Ferro, por outro lado, além de apresentar os mesmos problemas de ritmo, ainda tem várias outras falhas que a impedem de estar no mesmo nível de suas antecessoras. A partir deste ponto alguns SPOILERS são inevitáveis.

A narrativa acompanha Danny Rand (Finn Jones), que retorna a Nova Iorque depois de 15 anos. Em sua infância Rand sofreu um acidente de avião enquanto sobrevoava o Himalaia e foi o único sobrevivente, sendo resgatado por monges e levado para a mística cidade de K'un Lun, na qual foi treinado em artes marciais e adquiriu o título de Punho de Ferro, a arma viva daquele povo capaz de canalizar sei chi nos punhos. Ao retornar aos Estados Unidos, descobre que a companhia de sua família é gerida pelos amigos de infância Ward (Tom Pelphprey) e Joy (Jessica Stroup), filhos do antigo sócio de seu pai, Harold Meachum (David Wenham). Logicamente, as pessoas duvidam de que ele possa ser o herdeiro dado como morto e Danny precisa provar quem é ao mesmo tempo que descobre que forças sinistras se entranharam na empresa de sua família.


Problemas de ritmo


Se as outras séries da parceria Marvel/Netflix iam construindo um crescente que ocasionalmente empacava lá pelo oitavo ou nono episódio da temporada, Punho de Ferro sequer consegue engrenar, se arrastando do início à metade e virando uma completa bagunça a partir daí até o final. O começo é arrastado, pulando de uma sala de reunião para outra conforme Danny tenta provar sua identidade, mas sem sequer dar qualquer pista de um arco maior ou qual será o ponto central daquilo tudo. Ainda por cima "gasta" cedo demais a premissa do "será que ele na verdade é louco?". Para fazer esse tipo de coisa é preciso primeiro estabelecer de maneira sólida a história do personagem em seus principais atributos para depois virar tudo contra ele. A série não faz isso e muito do que é usado pelos médicos para justificar a "loucura" de Danny é ouvido pela primeira vez no hospício, como seu passaporte ou outras informações sobre seu passado. Assim, o episódio acaba falhando em criar qualquer dúvida ou suspense.

Lá pelo sexto episódio parece que a série vai finalmente ganhar ritmo, quando Danny parte para um torneio no qual enfrentará os campeões do Tentáculo. Imaginei que com uma ameaça e um objetivo claro a série finalmente ganharia um rumo, mas depois disso acaba se perdendo em um excesso de antagonistas, nenhum com uma motivação ou plano interessante. Se Demolidor, Jessica Jones e Luke Cage eram beneficiados por bons antagonistas que davam foco à trama e aos personagens como o Rei do Crime, Kilgrave ou Boca de Algodão, Punho de Ferro não consegue achar um vilão interessante entre todos que apresenta.

Os vilões


O Harold Meachum vivido por David Wenham começa como um mega empresário malvado genérico e pelo meio da temporada vira um louco histérico caricatural. Seu filho, Ward é também o mesmo tipo de ricaço boçal e truculento a despeito dos esforços do roteiro em tentar angariar simpatia por ele. A narrativa quer nos fazer compadecer por ele por seu vício em drogas ou complexo de culpa, mas como os flashbacks de Danny revelam que ele já era cruel desde de pequeno (diferente, por exemplo do Boca de Algodão que é empurrado a uma vida de crime contra a sua vontade) fica difícil torcer por uma pessoa que parece ter sempre se comportado como um sociopata. Nenhum dos dois tem um plano plenamente formulado além do aborrecido clichê de proteger seu legado.

Do mesmo modo os líderes do Tentáculo também falham em ser inimigos à altura. A Madame Gao (Wai Ching Ho) não tem nenhum outro esquema além de vender drogas, o que parece bem pequeno e limitado para a líder de um clã de ninjas assassinos, principalmente se considerarmos sua longevidade. Não ajuda também o fato dela constantemente mudar de atitude em relação a Danny. Se no sexto episódio ela não se impressiona com seu poder e o joga para longe com facilidade, no oitavo ela se mostra assustada com ele, o que não faz muito sentido se considerarmos que dois episódios atrás ela não fez nenhum esforço para arremessá-lo como um trapo velho. No episódio seguinte, ela volta a tratá-lo com desdém, como se nada tivesse acontecido. Já o outro líder do Tentáculo, Bakuto (Ramon Rodriguez), fala genericamente em levar o mundo a uma "nova era" e, bem, é isso. Sem uma ameaça clara ou um problema delimitado a resolver, a sensação de perigo se esvai e a trama soa perdida, arrastada e sem foco.

Não ajuda que boa parte dos coadjuvantes seja igualmente insossa e inconstante. Joy passa a temporada presa no mesmo ciclo de fazer algo repreensível, se arrepender e considerar se está do lado certo para logo depois voltar a agir de modo implacável e depois de ver isso se repetir algumas vezes fica difícil se importar com ela. Ward é igualmente volúvel, em um episódio ele está aparentemente traumatizado demais para entrar na cobertura do pai depois de sua aparente morte e no seguinte ele entra lá sem hesitar como se não houvesse trauma algum. Isso sem mencionar o assistente pessoal de Harold que desaparece completamente lá depois de alguns episódios para só aparecer novamente no terço final da temporada me fazendo parar um instante para me perguntar se eu já tinha visto aquele personagem ou se era alguém novo.

Os heróis


Danny Rand é o típico herói com um trauma passado e que se vê dividido entre suas identidades (a de Danny e a de Punho de Ferro) e a série não consegue trazer nada de novo ou interessante para esse arco dramático bastante tradicional (diferente, por exemplo, de Demolidor que explora a culpa católica de Murdock). Finn Jones consegue trazer carisma ao personagem, mas ocasionalmente é sabotado por diálogos ruins que o fazem soar como um pirralho birrento (ele levantando a voz para dizer "meu plano não é ruim!" para Claire me fez cobrir o rosto de vergonha).

Melhor sorte tem Jessica Henwick como Colleen Wing, uma mulher que tenta fazer a diferença em seu bairro e luta para manter seu dojo funcionando. Mais para frente há uma revelação que nos faz reavaliar tudo que sabíamos sobre a personagem e Henwinck é bastante hábil ao construir a raiva e desamparo de Colleen ao perceber que tudo em que acreditava está desmoronando ao seu redor. Rosario Dawson retorna como a enfermeira Claire Temple e, como nas outras séries, acaba servindo como bússola moral para os personagens e também produz alguns momentos divertidos conforme reage às coisas que Danny lhe conta sobre K'un Lun.

Cenas de ação


As cenas de luta, que deveriam ser o ponto alto da série, carecem de energia e empolgação. São prejudicadas pela montagem picotada, câmera que não consegue parar quieta, sempre tremendo ou fazendo zoom-ins e zoom-outs, que acabam diminuindo o impacto das coreografias ao invés de ressaltá-las, muitas vezes falhando em estabelecer a lógica espacial da cena e passando longe da fluidez e força das lutas da "série irmã" Demolidor. Além disso ainda apresenta alguns inexplicáveis planos aéreos (enquadrando os personagens de cima) que nos distanciam dos personagens e literalmente apequenam os embates. O uso de planos divididos certamente tem a intenção de emular uma estética de quadrinhos mas acabam tornando as coisas mais confusas. Ainda assim, a série consegue trazer alguns bons momentos, como a luta entre Danny e Zhou Cheng (Lewis Tan) ou os dois duelos de espada protagonizados por Coleen. Aliás, as lutas de Colleen, em especial suas lutas em um ringue ilegal, são menos picotadas do que as de Danny e em geral funcionam melhor.

Os poucos bons momentos não são o bastante para evitar que essa primeira temporada de Punho de Ferro seja uma narrativa arrastada, sem foco, cheia de lugares comuns e personagens pouco interessantes. É uma pena, o personagem merecia uma introdução melhor. Agora é esperar que a série dos Defensores lhe faça mais justiça.


Nota: 4/10

Trailer

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