quarta-feira, 29 de março de 2017

Crítica - A Vigilante do Amanhã: Ghost in the Shell

Análise A Vigilante do Amanhã: Ghost in the Shell


Review A Vigilante do Amanhã: Ghost in the Shell
Uma pessoa sofre um atentado violento e está à beira da morte. Ela é salva por uma grande corporação que lhe dá um poderoso corpo cibernético, transformando-a em uma arma para combater o crime e defender seus interesses corporativos. Essa é a trama de Robocop (1987) e seu remake. Porque a estou citando em um texto sobre a adaptação do mangá Ghost in the Shell de Masamune Shirow e seu longa animado de mesmo nome lançado em 1995 (sob o título de O Fantasma do Futuro no Brasil) sob a direção de Mamoru Oshii? Bem, porque essa é basicamente a trama deste A Vigilante do Amanhã: Ghost in the Shell, o que deve deixar muitos fãs da obra original decepcionados. O que não significa, no entanto, que seja um filme ruim.

Avaliar uma adaptação não é simples. Por um lado tenho a clara ciência de que uma adaptação não precisa ser uma reprodução ipsis litteris do material original e precisa se sustentar com as próprias pernas. Por outro lado, espera-se que, por mais que hajam mudanças nos eventos da narrativa, seja de algum modo fiel às ideias e temas transmitidos pelo produto no qual se baseia, caso contrário não faz sentido fazer uma adaptação. Ser bem sucedido como adaptação também não vai implicar necessariamente que o filme é bom, assim como o fracasso enquanto adaptação não é implica exatamente que o filme é ruim. A Vigilante do Amanhã: Ghost in the Shell tem muito pouco do material no qual se baseia e foge das discussões existenciais mais complexas do mangá e do anime, mas ainda assim tem sua parcela de qualidades.

A trama é centrada na Major (Scarlett Johansson), uma mulher que tem o cérebro implantado em um corpo cibernético avançado depois de um aparente acidente. Ela acaba integrando a divisão de elite do governo japonês chamada Seção 9. Seu trabalho é perseguir terroristas digitais e seu principal alvo é o hacker Kuze (Michael Pitt) que vem matando executivos e cientistas da corporação que fez seu corpo ciborgue.

Scarlett Johansson traz intensidade e uma postura resoluta à Major, alguém que vive para o seu trabalho, mas guarda em si uma solidão e uma certa medida de melancolia sobre a falta de lembranças de seu passado e sobre seu corpo sintético. É por causa da força e fragilidade que ela transmite de modo convincente que a trama funciona, mesmo quando tudo se torna derivativo demais.

O texto até tenta inicialmente levantar os dilemas existenciais contidos no material original, que tentava discutir o conceito de vida e se uma máquina com consciência própria poderia ter "alma" ou poderia ser considerado um ser vivo. Afinal, quanto mais o ser humano se aproxima das máquinas, analogamente mais as máquinas se aproximam do humano, então seria inevitável que um ser artificial se tornasse consciente. No entanto, o filme deixa de lado essas questões complexas para adotar uma postura mais simplista e maniqueísta ao se tornar, lá pela metade, uma trama clichê sobre uma heroína perseguida por uma corporação do mal com objetivos relativamente vagos.

Como a natureza do hacker inimigo é alterada, toda a discussão sobre a possibilidade de vida (ou "vida") em um ser completamente sintético e o que diferencia um ser vivo de uma máquina é extremamente diluída e simplificada. Com a ausência de um ser sintético consciente, o desfecho do filme parece ir ideologicamente de encontro ao produto original ao delimitar de modo claro que a vida é algo indubitavelmente humana.

Visualmente o filme é competente em criar um universo cyberpunk fiel ao mangá e ao anime, com pessoas dotadas de implantes tecnológicos e armas avançadas capazes de grande estrago. A concepção visual da noção de hackear o cérebro de outra pessoa é ilustrada de modo bem sinistro, com infinitos braços sombrios puxando e cobrindo o corpo da vítima. Do mesmo modo, a cena com as gueixas robóticas no início consegue ir do belo ao arrepiante quando uma das robôs começa a atacar os humanos. A cidade em si, com seus enormes letreiros neon e arranha-céus até onde a vista alcança, no entanto, parece meramente uma reprodução menos escura e sem carros voadores da cidade mostrada em Blade Runner (1982).

Há também um bom trabalho de edição e mixagem de som para conceber a sensação de uma mente conectada à internet (ou seja lá o que eles tem no futuro), como no instante que a Major acorda em sua casa e ouvimos uma grande massa sonora de vozes e ruídos que são interrompidos no instante em que ela puxa o plugue de sua cabeça. Do mesmo modo, é interessante como as distorções e repetições sobrepostas de fala são aplicadas na voz de Kuze, como que para indicar a natureza "bugada" do corpo robótico do personagem.

A Vigilante do Amanhã: Ghost in the Shell acaba valendo mais pelo carisma e força de Scarlett Johansson e pela sua qualidade técnica na concepção deste universo e das cenas de ação, mas deixa de lado boa parte do poderoso e rico subtexto do material original em prol de uma aventura simples e cheia de lugares comuns.


Nota: 6/10

Trailer:

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