segunda-feira, 17 de abril de 2017

Crítica - The Good Fight: 1ª Temporada

Análise The Good Fight: 1ª Temporada


Review The Good Fight: 1ª TemporadaConsiderando o divisivo series finale de The Good Wife, tinha minhas dúvidas se realmente se seria necessário um spin-off centrado em Diane Lockhart (Christine Baranski) e Lucca Quinn. Por outro lado, devo confessar que senti falta o universo criado em The Good Wife, cheio de personagens interessantes e insólitos e ao escrever sobre a última temporada cheguei a mencionar que queria que os personagens recorrentes, juízes e outros fossem aproveitados de algum modo. Qualquer dúvida que eu tinha em relação à série, no entanto, foi dirimida já na primeira cena do primeiro episódio quando vemos a expressão embasbacada, incrédula e boquiaberta de Diane ao assistir a posse de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos.

Na trama, Diane deixa a Lockhart/Gardner para finalmente se aposentar, mas seus planos se desfazem quando ela descobre que o fundo de investimento no qual estavam suas economias faziam parte de um grande esquema pirâmide e ela agora está sem nada. Impossibilitada de retornar à firma que ajudou a construir, ela conta com a ajuda de Lucca para conseguir emprego em uma nova firma e se reerguer, levando consigo a afilhada Maia (Rosie Leslie), uma advogada recém-formada cujos pais eram justamente os banqueiros responsáveis pelo esquema pirâmide.

A cena inicial do primeiro episódio dá o tom da temporada, criando a impressão de um país à deriva, dividido e inseguro em relação ao seu futuro depois da vitória de Trump, incerto do que isso pode significar para a nação. O fio condutor, porém, é o escândalo envolvendo a família de Maia e como a investigação a seus pais a coloca sob os holofotes e sob suspeita das autoridades. Assim como ocorrera com Alicia Florrick (Julianna Margulies) no início de The Good Wife, a temporada é sobre Maia e Diane tentando reerguer suas vidas depois do escândalo que as derrubou.

Também como em The Good Wife, a série consegue um raro equilíbrio em seus episódios entre a trama principal da temporada e o caso da semana. Os casos muitas vezes lidam com temas delicados como os direitos sobre embriões fertilizados ou a disseminação de ofensas preconceituosas em ambientes virtuais. São questões complexas, mas tratadas de modo ponderado e maduro, reconhecendo que não há respostas fáceis (e que muitas vezes simplesmente não há uma resposta geral) e evitando descambar em maniqueísmos simplórios.

Como não poderia deixar de ser, a temporada também faz críticas à ascensão de Trump e das forças reacionárias e preconceituosas que o acompanham, incluindo um episódio do qual Diane tem que lidar com um "ativista" virtual claramente inspirado na figura do controverso Milo Yiannopoulos, que foi banido do Twitter por suas ofensas racistas. Outro episódio coloca os advogados para defenderem o roteirista de uma série que disponibilizou na internet um episódio inspirado nas confissões de abuso sexual do presidente depois que a emissora desistiu de exibi-lo, algo similar ao que aconteceu no mundo real quando a emissora responsável por Law & Order: SVU desistiu de levar ao ar um episódio inspirado pelas indiscrições de Trump.

O texto também resiste à tentação de transformar as protagonistas em heroínas e os apoiadores de Trump em vilões. Isso fica evidente no arco de Julius (Michael Boatman), que acaba marginalizado e hostilizado na empresa depois que revela ter votado no atual presidente e chega ao ponto em ser acusado de algo sem provas por colegas de trabalho simplesmente pelo fato de que seu "perfil conservador" o tornaria suspeito. Deste modo, a série lembra da necessidade de um constante exercício de alteridade e o fato de discordar politicamente de alguém não deve ser desculpa para tratarmos o outro como inimigo nem nos dá licença para que se haja da mesma maneira excludente e persecutória da qual se acusa políticos como Trump. Essa ideia de que postura política não necessariamente é a base do caráter de uma pessoa também ecoa em um diálogo entre a progressista Diane e o conservador Kurt (Gary Cole) no final da temporada, quando a advoga celebra o heroísmo do marido ao ter detido um sequestro ao mesmo tempo que lamenta ter que defender pessoas questionáveis em seu trabalho.

Para além de questões maiores sobre justiça, política e sociedade, a série também desenvolve arcos para suas três protagonistas. Christine Baranski se mostra extremamente confortável ao retornar à postura altiva e idealista de Diane, agora abalada com as perdas financeiras recentes que a obrigaram a abandonar seus sonhos de aposentadoria e a recomeçar do zero em uma nova firma na qual nem todos a veem com bons olhos. Marissa Gold (Sarah Steele), filha do operador político Eli Gold (Alan Cumming), retorna como a nova secretária de Diane e continua tão engenhosa e sarcástica como antes, descobrindo aos poucos que é também uma ótima investigadora.

Cush Jumbo, tinha sido relativamente desperdiçada como Lucca Quinn na temporada final de The Good Wife, se limitando a "shippar" o casal formado por Alicia e Jason (Jeffrey Dean Morgan), mas aqui tem a chance de desenvolver mais sua personagem. O arco envolvendo seu relacionamento com o promotor Colin (Justin Bartha) parece caminhar na direção do clichê de "opostos se atraem", mas funciona não só pelo carisma e química que Jumbo e Bartha tem juntos e também pela inteligência com a qual evita os lugares comuns deste tipo de história.

Quando Quinn e Colin se enfrentam no tribunal e trocam duras palavras, imaginamos que o embate profissional irá ter repercussões negativas na relação, mas a série prefere não subestimar a inteligência deles (e do público) e os coloca como pessoas maduras que sabem separar o profissional do pessoal (na verdade, a troca de farpas ferrenha na corte parece deixá-los com mais tesão um pelo outro). Do mesmo modo, quando Colin vê Lucca conversando com outro homem no bar (que ela chamou só para ver como o promotor reagiria) imaginamos que ele irá bancar o "macho alfa possessivo" e fará alguma grosseria, mas ao invés disso ele fica se mantém amigável e tranquilo, não só por compreender que estava sendo testado, mas por ter clareza de que ela pode conversar e sair com quem bem entender. Cush Jumbo é também competente em delinear que há um quê de mecanismo de defesa na postura durona, fechada e na língua ferina do personagem e por mais que ela demonstre não se importar, ela parece o fazer por temer se machucar ou se decepcionar. Temporadas futuras (uma segunda já foi confirmada) certamente devem se debruçar sobre as razões dela se proteger tanto.

Já Maia precisa lidar com o escândalo envolvendo sua família e sua trama lembra muito o que Alicia passava no início de The Good Wife, precisando se afirmar por conta própria ao mesmo tempo em que tentava se manter fiel à sua família. A intriga envolvendo os pais dela é bem manejada o suficiente para nos colocar em constante estado de dúvida se eles realmente são culpados ou não e isso ajuda a compreender a dificuldade de Maia em lidar com a situação e o fato dela não saber em quem depositar sua lealdade.

A série também faz um bom uso de todo o universo de personagens recorrentes criados em The Good Wife. Dos extravagantes juízes e advogados a personagens de maior importância, como o divertido bilionário sociopata Colin Sweeney (Dylan Baker), passando pelo paranoico hacker Dylan (Jason Biggs, o eterno Jim de American Pie). O deslavadamente cínico e mentiroso Mike Kresteva (Matthew Perry) retorna como um dos principais antagonistas da temporada ao tentar derrubar a firma na qual as protagonistas trabalham e seu arco também ajuda a mostrar o dano causado por notícias falsas (as famosas fake news) divulgadas e disseminadas via internet. Kresteva é um burocrata tão transparentemente safado que se torna aquele tipo de vilão que dá gosto de odiar e nesta temporada ele encontra um oponente à altura na excêntrica advogada Elsbeth Tascioni (Carrie Preston) que o vira ao avesso com seus métodos aparentemente loucos e pouco ortodoxos.

Essa primeira temporada de The Good Fight se revela uma grata surpresa ao expandir o universo ficcional criado em The Good Wife, aprofundado personagens familiares ao mesmo tempo em que nos apresenta novos e fascinantes rostos. Também é se mostra bastante madura e ponderada ao discutir temas delicados e é contundente em sua crítica ao momento político dos Estados Unidos.


Nota: 9/10  

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