Terminando com um gancho que
apontava uma cisão entre Daisy (Chloe Bennet) e a SHIELD, a terceira temporada mostrava
uma evolução do que a série tinha apresentado depois de duas temporadas. O
texto a seguir inevitavelmente contem SPOILERS.
Começando no ponto em que a
temporada anterior terminou, descobrimos que Daisy deixou a SHIELD para agir
por conta própria por não confiar que eles agirão corretamente com os inumanos.
A agência retornou a ser um órgão legítimo do governo, mas como Coulson (Clark
Gregg) está legalmente morto (vide o que acontece no primeiro Vingadores), ele fica impedido de
assumir a direção da nova agência, deixando o cargo para o misterioso Jeffrey
Mace (Jason O'Mara), que por trás de sua fachada de bom moço parece esconder
alguma coisa. Coulson e Daisy acabam se reencontrando quando ambos entram no
rastro do misterioso Motorista Fantasma (Gabriel Luna) e logo descobrem que ele
não é um inumano, mas algo mais sombrio.
A adição do Motorista foi o que
mais chamou atenção no começo da nova temporada e ele não decepcionou. Gabriel
Luna fez de Robbie Reyes um sujeito tomado por arrependimento e raiva de si
mesmo por erros do passado, tentando obter alguma medida de redenção através do
Espírito da Vingança. Os efeitos especiais que criam o personagem são bem
competentes para uma produção televisiva e a brutalidade da criatura se
beneficia do novo horário de exibição da série nos EUA, que passou para as 22
horas, permitindo assim mostrar mais sangue e violência. Falando em efeitos
visuais, é interessante perceber como os portais dimensionais criados a partir
do Tomo Negro (e posteriormente pelo Motorista) são bem similares aos portais
criados pelos personagens de Doutor
Estranho (2016), mantendo a coesão e a identidade visual do universo
compartilhado da Marvel.
A primeira metade da temporada
gira em torno da SHIELD tentando ajudar Robbie a encontrar o misterioso volume
conhecido como Tomo Negro (Darkhold), que traz um conhecimento proibido sobre
como manipular a realidade. Funciona mais pelo desenvolvimento de Robbie e pela
inserção do lado místico/mágico da Marvel na série, que vinha se mantendo mais
pelo lado da ficção científica. O vilão, por outro lado, acaba se revelando um
megalomaníaco genérico.
Em paralelo à busca pelo Tomo
Negro, Fitz (Iain De Caestecker) e Radcliffe (John Hannah) tentam esconder dos
demais seu projeto dos LMDs (Life Model Decoys) e a androide Ainda (Mallory
Jansen), temendo que os companheiros não vejam com bons olhos a criação de uma
inteligência artificial. Outro arco que corre concomitantemente é o da senadora
intolerante a inumanos que persegue a SHIELD ao descobrir que Mace é
aparentemente inumano. Tudo isso acaba convergindo na segunda metade da temporada
quando Aida se rebela depois de ler o Tomo Negro e se alia ao líder dos
terroristas anti inumanos. Nessa segunda metade a série investe em um clima
constante de suspense e tensão, em especial por que não sabemos quem pode ser
uma duplicata robótica e o que Aida estaria fazendo com os agentes
sequestrados.
A senadora e Ivanov (Zach
McGowan), líder do movimento anti inumano, se revelam antagonistas pouco
interessantes, mas é Aida que rouba a cena. Mallory Jansen acaba sendo a grande
revelação da temporada ao interpretar múltiplos personagens (Aida, Agnes,
Ophelia/Madame Hidra e a Aida humana) cada um bem distinto do outro. Aida tem
manerismos robóticos e uma serena, mas apática. Em Agnes ela usa seu sotaque
australiano nativo e confere a ela um ar de resignação quanto ao seu destino,
graças a uma doença grave. Como Madame Hidra ela dá vazão a todo o rancor que
Aida sentia por seus criadores por limitarem sua programação. Jensen também é
ótima ao construir o senso de confusão e descoberta da Aida humana ao descobrir
seus próprios sentimentos e a dificuldade de lidar com a torrente de emoções
que lhe toma simultaneamente e acaba sendo uma pena que a narrativa dê tão
pouco espaço para a personagem se descobrir, transformando-a rapidamente em uma
vilã implacável. Isso, no entanto, é mais um problema de roteiro do que da
composição de Jansen.
Outro destaque acaba sendo Iain
de Caestecker, em especial na segunda metade da temporada quando os personagens
vão parar em uma realidade virtual e vemos uma versão alternativa de Fitz, que
é um lacaio da Madame Hidra e um cientista implacável e inescrupuloso.
Caestecker convence da frieza e amoralidade dessa versão do personagem, em
parte por que seu Fitz original já tinha uma espécie de pragmatismo seco que de
fato poderia transformá-lo em alguém amoral caso sua vida tivesse sido
diferente (como foi na realidade alternativa). O ator também é eficiente em
demonstrar a culpa e o desespero que tomam Fitz quando ele retorna à sua
realidade e lembra as atrocidades que cometeu no mundo virtual. Fitz acaba
formando uma dupla interessante com Radcliffe, um personagem que não é
exatamente um vilão ou antagonista, mas ele é tão focado em conseguir o que
quer e tão crente nos benefícios de seu trabalho que acaba abrindo mão de qualquer
moralidade e se alia a qualquer um que possa te ajudar a alcançar seus
objetivos.
Mack (Henry Simmons), que sempre
foi um coadjuvante carismático, (e continua tendo diálogos bem divertidos, como
suas referências a O Exterminador do
Futuro quando Aida ataca a SHIELD) recebe um pouco mais de atenção conforme
a série revela seu passado e a dor que guarda em si pela perda da filha. A
importância da filha em sua vida cria um conflito interessante quando ele fica
preso na realidade virtual de Aida e ela cria um mundo em que ele nunca a
perdeu. Mesmo sabendo que tudo aquilo é falso, Mack se recusa a deixar o lugar,
remetendo à ideia de que realidade é aquilo que concebemos como tal e não
apenas o que nossa cognição consegue captar. As cenas em que os companheiros,
em especial Yo-Yo (Natalia Cordova-Buckley), tentam convencê-lo a deixar a
filha e voltar para a realidade são provavelmente as mais emocionantes da
temporada.
O diretor Mace acaba sendo
subaproveitado, mas Jason O'Mara é eficiente em dar sinais sutis que ele
esconde algo por baixo de sua fachada de bom moço e a revelação de seu segredo
lhe confere uma inesperada vulnerabilidade, já que ele era movido por seu
desejo de ajudar os outros e não por interesses pessoais. Coulson acaba tendo o
arco mais fraco da temporada, já que o roteiro insiste em criar um vínculo
romântico entre ele e May (Ming-Na Wen) que soa forçado e pouco convincente.
Sim, eles passaram por muita coisa juntos e compartilham um laço forte entre
eles, mas só porque duas pessoas de sexo oposto trabalham juntos há anos e se
importam um com o outro eles precisam obrigatoriamente se apaixonar e se
envolver romanticamente? Não fosse a química e o carisma de Gregg e Ming-Na,
seria impossível comprar a relação dos dois.
A quarta temporada de Agents of SHIELD acaba entregando mais
uma sólida aventura para os espiões da Marvel, misturando misticismo e ficção
científica de maneira bastante orgânica ao mesmo tempo em que continua a
desenvolver seus personagens (ainda que nem sempre da melhor maneira). O gancho
que encerra a temporada ainda indica rumos inesperados para Coulson e sua
equipe, certamente se conectando à vindoura série dos Inumanos.
Nota: 8/10
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