quarta-feira, 21 de junho de 2017

Crítica - Better Call Saul: Terceira Temporada

Análise Better Call Saul: Terceira Temporada


Review  Better Call Saul: Terceira Temporada
O final da segunda temporada de Better Call Saul deixava um gancho que poderia significar uma investida de Chuck (Michael McKean) contra Jimmy (Bob Odenkirk) e tendo Breaking Bad no retrovisor sabemos que eventualmente os dois se afastariam, afinal Saul Goodman nunca mencionava o irmão. Essa terceira temporada cumpre a promessa deixada na anterior com louvor e ainda traz desenvolvimentos importantes para Mike (Jonathan Banks). A partir desse ponto SPOILERS são inevitáveis.

A trama começa no ponto em que a temporada anterior encerrou. Chuck tem uma gravação de Jimmy confessando um crime, mas sabe que ela é legalmente inadmissível, então resolve montar um ardil para torná-la admissível. Ele induz seu assistente a contar tudo para Jimmy, que invade a casa de Chuck para destruir a fita. Chuck, juntamente com Hamlin (Patrick Fabian), o pegam com a mão na massa, denunciando-o por invasão de propriedade, tornando a fita uma prova material do crime. Chuck deseja então usar a fita para cassar a licença de advogado de Jimmy. Ao mesmo tempo, Mike começa a receber recados anônimos dizendo simplesmente "não" e logicamente o operativo tenta descobrir quem o está seguindo e o que quer dizer esse "não".

Fica claro desde o início que estamos em um ponto de virada para Jimmy. Suas ações não só irão determinar seu rompimento com o irmão como também tem o potencial de afastá-lo de Kim (Rhea Seehorn), com quem divide um escritório. A primeira metade da temporada gira em torno da disputa entre Jimmy e Chuck sobre a cassação e até onde cada um está disposto a ir para conseguir o que quer.

Se Chuck já não era um personagem muito simpático aos olhos do público, mesmo com a fragilidade de sua doença, aqui ele se torna ainda menos ao usar os mesmos tipos de ardis que ele tanto repreendia Jimmy, expondo-o como um hipócrita. Fica evidente que ele não se importa com moralidade ou fazer a coisa certa, mas com derrubar o irmão e mostrar de uma vez por todas que Jimmy não está a altura dele.

Tudo isso acaba vindo a tona no excelente quinto episódio da temporada que mostra o julgamento de Jimmy na ordem dos advogados. Com a ajuda daquele que se tornará um parceiro no futuro, Huell (Lavell Crawford), Jimmy consegue provar que a doença de Chuck é psicológica. A revelação faz Chuck surtar e botar para fora todo o ressentimento que tem do irmão em uma cena inteira com o rosto do ator Michael McKean em close, confiando no ator para mostrar todo o destempero e raiva do personagem.

McKean é tão bom que inclusive acaba nos fazendo sentir uma medida de dó de Chuck ao se mostrar tão exposto em suas vulnerabilidades e ir se afundando ainda mais em sua doença (apesar de uma tentativa de melhorar) ao fim da temporada. Por mais que ele tenha sido vítima de sua própria soberba sabotando por conta própria sua relação com Jimmy e posteriormente com Hamlin apenas para mostrar sua capacidade como advogado, ainda assim é lamentável que ele tenha encontrado um fim tão decadente, solitário e trágico.

Chuck não é o único personagem por quem temos sentimentos conflitantes ao longo da temporada. O próprio Jimmy nos faz flutuar em relação ao fato de torcermos por ele ou não. Se na primeira metade temos simpatia por ele enfrentar a perseguição do irmão, na segunda parte isso vai se altertando quando ele tenta manter sua parte do escritório com Kim funcionando apesar da suspensão de um ano que recebeu, usando pela primeira vez a alcunha de Saul Goodman. O vemos em seu ponto mais baixo conforme ele tem que recorrer a truques sujos para ganhar dinheiro. O pior vem no penúltimo episódio, quando ele manipula as velhinhas de um asilo a aceitarem um acordo no processo coletivo que ele montou na temporada passada. Jimmy sabe que a oferta não vai render muita coisa para as idosas, mas ainda assim as manipula, acabando com a vida social de uma delas no processo, apenas para receber logo sua parte e vê-lo explorando aquelas idosas de maneira não inescrupulosa certamente desperta certa ojeriza por ele.

Com tanta coisa acontecendo com Jimmy, Mike acaba aparecendo um pouco menos, mas ainda assim consegue ter uma jornada interessante. O início da temporada acaba sendo um tenso jogo de gato e rato conforme ele tenta localizar quem o está seguindo. Esses momentos ressaltam o quão esperto e engenhoso Mike é, desmontando seu carro no instante em que percebe está sendo seguido até achar o localizador. Claro, a revelação de quem estava por trás de tudo era um pouco previsível, já que a publicidade da temporada avisava que veríamos Gus Fring (Giancarlo Esposito), mas a construção da investigação de Mike é competente o suficiente para valer a jornada. Mike também cruza novamente o caminho de Nacho (Michael Mando), que está tendo problemas com Hector Salamanca (Mark Margolis) e pensa em eliminá-lo. A cena com Nacho tentando trocar os comprimidos de Hector é outro momento de grande tensão da temporada.

Como de costume, a série continua exibindo a mesma competência técnica de sempre. Os diálogos são filmados e montados sem pressa, como que deliberadamente quisessem estender o tempo deles. Como em um western, os embates verbais da série, em especial aqueles envolvendo Mike e os cartéis, tem sempre aquela tensão subjacente de que a qualquer momento um dos envolvidos pode puxar uma arma ou verbalmente virar a mesa em cima do oponente e encerrar tudo abruptamente.

Do mesmo modo, é preciso na sua escolha de planos, como a maneira em que posiciona a câmera atrás do sinal de "Saída" da porta de emergência no quinto episódio. O sinal é a única luz que permanece ligada na sala (as demais são apagadas a pedido de Chuck) e filmar a partir dele funciona não só como um lembrete da doença de Chuck como também é quase um aviso para o personagem, uma vez que ficar ali será sua ruína. Algo similar acontece na reunião entre Chuck e Hamlin no final da temporada quando a câmera passeia por cima da longa mesa de reunião fazendo questão de mostrar cada uma das lâmpadas em cima dela,acompanhadas por um sutil chiado elétrico. O distanciamento entre Jimmy e Kim é também denotado por escolhas de enquadramento, muitas vezes colocando-os em lados opostos do quadro.

A terceira temporada de Better Call Saul mantêm a competência das anteriores, amplia o universo da trama e sedimenta a transformação de Jimmy em Saul Goodman.


Nota: 9/10

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