O final da segunda temporada de Better Call Saul deixava um gancho que
poderia significar uma investida de Chuck (Michael McKean) contra Jimmy (Bob
Odenkirk) e tendo Breaking Bad no
retrovisor sabemos que eventualmente os dois se afastariam, afinal Saul
Goodman nunca mencionava o irmão. Essa terceira temporada cumpre a promessa
deixada na anterior com louvor e ainda traz desenvolvimentos importantes para
Mike (Jonathan Banks). A partir desse ponto SPOILERS são inevitáveis.
A trama começa no ponto em que a
temporada anterior encerrou. Chuck tem uma gravação de Jimmy confessando um
crime, mas sabe que ela é legalmente inadmissível, então resolve montar um
ardil para torná-la admissível. Ele induz seu assistente a contar tudo para
Jimmy, que invade a casa de Chuck para destruir a fita. Chuck, juntamente com
Hamlin (Patrick Fabian), o pegam com a mão na massa, denunciando-o por invasão
de propriedade, tornando a fita uma prova material do crime. Chuck deseja então
usar a fita para cassar a licença de advogado de Jimmy. Ao mesmo tempo, Mike
começa a receber recados anônimos dizendo simplesmente "não" e
logicamente o operativo tenta descobrir quem o está seguindo e o que quer dizer
esse "não".
Fica claro desde o início que
estamos em um ponto de virada para Jimmy. Suas ações não só irão determinar seu
rompimento com o irmão como também tem o potencial de afastá-lo de Kim (Rhea
Seehorn), com quem divide um escritório. A primeira metade da temporada gira em
torno da disputa entre Jimmy e Chuck sobre a cassação e até onde cada um está
disposto a ir para conseguir o que quer.
Se Chuck já não era um personagem
muito simpático aos olhos do público, mesmo com a fragilidade de sua doença,
aqui ele se torna ainda menos ao usar os mesmos tipos de ardis que ele tanto
repreendia Jimmy, expondo-o como um hipócrita. Fica evidente que ele não se
importa com moralidade ou fazer a coisa certa, mas com derrubar o irmão e
mostrar de uma vez por todas que Jimmy não está a altura dele.
Tudo isso acaba vindo a tona no
excelente quinto episódio da temporada que mostra o julgamento de Jimmy na
ordem dos advogados. Com a ajuda daquele que se tornará um parceiro no futuro,
Huell (Lavell Crawford), Jimmy consegue provar que a doença de Chuck é
psicológica. A revelação faz Chuck surtar e botar para fora todo o
ressentimento que tem do irmão em uma cena inteira com o rosto do ator Michael
McKean em close, confiando no ator
para mostrar todo o destempero e raiva do personagem.
McKean é tão bom que inclusive
acaba nos fazendo sentir uma medida de dó de Chuck ao se mostrar tão exposto em
suas vulnerabilidades e ir se afundando ainda mais em sua doença (apesar de uma
tentativa de melhorar) ao fim da temporada. Por mais que ele tenha sido vítima
de sua própria soberba sabotando por conta própria sua relação com Jimmy e
posteriormente com Hamlin apenas para mostrar sua capacidade como advogado, ainda assim é
lamentável que ele tenha encontrado um fim tão decadente, solitário e trágico.
Chuck não é o único personagem
por quem temos sentimentos conflitantes ao longo da temporada. O próprio Jimmy
nos faz flutuar em relação ao fato de torcermos por ele ou não. Se na primeira
metade temos simpatia por ele enfrentar a perseguição do irmão, na segunda parte isso vai se altertando quando ele tenta manter sua parte do escritório com Kim funcionando apesar da suspensão
de um ano que recebeu, usando pela primeira vez a alcunha de Saul Goodman. O
vemos em seu ponto mais baixo conforme ele tem que recorrer a truques sujos para
ganhar dinheiro. O pior vem no penúltimo episódio, quando ele manipula as
velhinhas de um asilo a aceitarem um acordo no processo coletivo que ele montou
na temporada passada. Jimmy sabe que a oferta não vai render muita coisa para
as idosas, mas ainda assim as manipula, acabando com a vida social de uma delas
no processo, apenas para receber logo sua parte e vê-lo explorando aquelas
idosas de maneira não inescrupulosa certamente desperta certa ojeriza por ele.
Com tanta coisa acontecendo com
Jimmy, Mike acaba aparecendo um pouco menos, mas ainda assim consegue ter uma
jornada interessante. O início da temporada acaba sendo um tenso jogo de gato e
rato conforme ele tenta localizar quem o está seguindo. Esses momentos
ressaltam o quão esperto e engenhoso Mike é, desmontando seu carro no instante
em que percebe está sendo seguido até achar o localizador. Claro, a revelação
de quem estava por trás de tudo era um pouco previsível, já que a publicidade
da temporada avisava que veríamos Gus Fring (Giancarlo Esposito), mas a
construção da investigação de Mike é competente o suficiente para valer a
jornada. Mike também cruza novamente o caminho de Nacho (Michael Mando), que
está tendo problemas com Hector Salamanca (Mark Margolis) e pensa em
eliminá-lo. A cena com Nacho tentando trocar os comprimidos de Hector é outro
momento de grande tensão da temporada.
Como de costume, a série continua
exibindo a mesma competência técnica de sempre. Os diálogos são filmados e
montados sem pressa, como que deliberadamente quisessem estender o tempo deles.
Como em um western, os embates
verbais da série, em especial aqueles envolvendo Mike e os cartéis, tem sempre
aquela tensão subjacente de que a qualquer momento um dos envolvidos pode puxar
uma arma ou verbalmente virar a mesa em cima do oponente e encerrar tudo
abruptamente.
Do mesmo modo, é preciso na sua
escolha de planos, como a maneira em que posiciona a câmera atrás do sinal de
"Saída" da porta de emergência no quinto episódio. O sinal é a única
luz que permanece ligada na sala (as demais são apagadas a pedido de Chuck) e
filmar a partir dele funciona não só como um lembrete da doença de Chuck como
também é quase um aviso para o personagem, uma vez que ficar ali será sua
ruína. Algo similar acontece na reunião entre Chuck e Hamlin no final da
temporada quando a câmera passeia por cima da longa mesa de reunião fazendo
questão de mostrar cada uma das lâmpadas em cima dela,acompanhadas por um sutil
chiado elétrico. O distanciamento entre Jimmy e Kim é também denotado por escolhas
de enquadramento, muitas vezes colocando-os em lados opostos do quadro.
A terceira temporada de Better Call Saul mantêm a competência
das anteriores, amplia o universo da trama e sedimenta a transformação de Jimmy
em Saul Goodman.
Nota: 9/10
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