segunda-feira, 5 de junho de 2017

Crítica - Z: A Cidade Perdida

Análise Z: A Cidade Perdida


Review Z: A Cidade Perdida
Os filmes de James Gray sempre dialogaram com os clássicos mais marcantes de outrora. Se Os Donos da Noite (2007) remetia aos filmes de máfia e Era Uma Vez em Nova York (2013) remetia aos antigos melodramas, este Z: A Cidade Perdida remete a antigos filmes sobre exploração e desbravadores, ainda que tenha preocupações e ideias bastante contemporâneas.

A trama, baseada em fatos reais, acompanha o militar e explorador britânico Percy Fawcett (Charlie Hunnam). No final do século XIX Percy é destacado para mapear a fronteira entre Brasil e Bolívia. Durante a expedição Percy encontra evidências de antigas civilizações nativas, provavelmente mais antigas que os próprios europeus que colonizaram aquele lugar, e decide realizar uma nova expedição para encontrar o lugar. O filme então acompanha as décadas de obsessão do britânico com sua ideia e as tentativas de localizar a cidade perdida.

Podia ser uma narrativa extremamente condescendente sobre o herói branco europeu que conquista, domina e subjuga os selvagens inferiores da América do Sul, mas Gray usa a história de Fawcett para fazer o exato oposto disso. O explorador não está atrás de riqueza ou de levar "civilização" (ou o que os europeus da época consideravam como tal), seus objetivos são o de mostrar que os nativos tem uma sociedade tão complexa e sofisticada quanto a dos brancos, que insistem em vê-los como inferiores.

Logicamente as ideias de Percy são recebidas por escárnio por seus pares, afinal, tratar os nativos como iguais, significaria considerar as implicações morais da escravidão e genocídio que impõem a eles. Ao considerá-los inferiores, menos que humanos, se sentem autorizados a cometer qualquer ato de indignidade contra eles, no entanto. O explorador não é, porém, motivado simplesmente por um ideal de igualdade, mas por ter sua própria experiência de ser considerado inferior e indigno pela elite europeia simplesmente por não vir de uma ascendência considerada "de valor" por aqueles que estão no alto da esfera social britânica.

A cena em que ele visita a casa de um nobre depois de voltar de sua primeira expedição encontra uma maneira muito elegante de ilustrar isso visualmente. Ao entrar na casa, o anfitrião de Percy está no andar superior da casa e o vê da balaustrada da sacada, literalmente olhando o protagonista de cima para baixo. Quando ele diz "estou te vendo, Percy", isso não tem apenas um sentido literal, mas também um simbólico. Através de seus feitos inéditos aquele homem que era considerado inferior por uma determinada elite finalmente captou sua atenção, passou a ser "visto" por ela.

Em muitos momentos vemos essa dita sociedade europeia "esclarecida" medir o valor das pessoas não por seu caráter, mas por posição social e tratar com extremo preconceito e brutalidade qualquer um que considere diferente (e o que é diferente de seus padrões de normalidade é imediatamente tratado como inferior). Por outro lado, em sua experiência com os indígenas, Percy consegue encontrar espaço para o diálogo, para o respeito às diferenças e para honra. Não é à toa que logo depois de seu primeiro contato bem sucedido com uma tribo ele retorna para Europa bem no início da Primeira Guerra Mundial, como se o filme quisesse fazer um contraste entre a conduta dos indígenas e a conduta dos europeus.

O filme também não se furta ao confrontar o personagem com suas próprias contradições, expondo-as através de sua relação com a esposa, Nina (Sienna Miller). Apesar de seu pensamento progressista em relação aos indígenas, ele ainda conserva um olhar relativamente conservador e machista em relação às mulheres, negando que a esposa vá com ele porque a selva "não é lugar de mulher". Nina, por sinal, já se estabelece desde a primeira cena que a vemos como alguém que não se contenta com o "lugar" que lhe é imposto pela sociedade, reclamando do tipo de roupa que se espera que uma mulher use. Ao longo da narrativa, ela vai tentando encontrar seu espaço nesse mundo dominado por homens tentando ser vista como igual. Sienna Miller traz altivez e resiliência à personagem, mas também trazendo a ela doçura e delicadeza, como o instante em que ela sutilmente deixa uma lágrima escorrer quando Percy lhe conta que irá para a América do Sul.

O Percy de Charlie Hunnam é um homem igualmente incomodado com a posição à qual a sociedade britânica o relega. Se no início ele quer de qualquer jeito sem aceito, posteriormente passa a desprezar essa elite ao ver como eles tratam os que consideram como inferiores, tanto os índios como ele próprio. Aos poucos ele vai se encantando mais pela floresta e pelos indígenas do que por aqueles que seriam seus "iguais". Isso é denotado principalmente pela montagem, que alterna cenas dele na selva com breves instantes de sua casa e sua esposa, como se quisesse dizer que ali, ele também se sente em casa. Isso coloca o personagem em um incômodo entrelugar, pois ao mesmo tempo que não consegue mais se identificar com sua própria sociedade, também nunca será plenamente integrado aos indígenas, sendo sempre um estrangeiro ali e essa falta de identificação e incapacidade de compreender plenamente aquilo com o que está se envolvendo acaba selando seu destino.

Tecnicamente impecável em sua reconstrução de época em termos de cenários e figurinos, em especial ao retratar os horrores grotescos nas trincheiras da Primeira Guerra, o filme também acerta em sua opção por usar iluminação natural. Muitos podem estranhar que o filme pareça tão escuro, mas isso ajuda a ver as coisas (literal e metaforicamente) como alguém daquela época as via. A floresta amazônica soa ainda mais claustrofóbica e ameaçadora quando as matas fechadas permitem apenas a passagem de pequenos fachos de luz, tornando-a escura mesmo de dia. Também acerta em muitos momentos que usa música não original, como a cena em que ele viaja de trem para o interior da Amazônia brasileira e ouvimos um trecho da Sagração da Primavera de Stravinsky, justamente o episódio que trata da chegada da primavera. O próprio compositor já dizia que essa música falava da unificação da Rússia pagã em torno do mistério e da onda de criatividade trazidos pela primavera. Paganismo, mistério e novas ideias são exatamente o que aguardam Percy em sua jornada e a colocação dessa música bem no momento em que ele inicia sua jornada funciona como um prelúdio do que está por vir.

Z: A Cidade Perdida se revela um complexo estudo sobre como a humanidade lida com as diferenças e sobre um homem movido por uma obsessão.


Nota: 10/10


Trailer


Um comentário:

Unknown disse...

Tom Holland tem talento e o demostrou, amei. Na minha opinião Homem aranha de volta ao lar foi um dos melhores filmes de ação que foi lançado. O ritmo é bom e consegue nos prender desde o princípio, em o Novo Homem Aranha Tom Holland faz um excelente trabalho como ator. Não tem dúvida de que Tom Holland foi perfeito para o papel de protagonista.