Os filmes de James Gray sempre
dialogaram com os clássicos mais marcantes de outrora. Se Os Donos da Noite (2007) remetia aos filmes de máfia e Era Uma Vez em Nova York (2013) remetia aos
antigos melodramas, este Z: A Cidade
Perdida remete a antigos filmes sobre exploração e desbravadores, ainda que
tenha preocupações e ideias bastante contemporâneas.
A trama, baseada em fatos reais,
acompanha o militar e explorador britânico Percy Fawcett (Charlie Hunnam). No
final do século XIX Percy é destacado para mapear a fronteira entre Brasil e
Bolívia. Durante a expedição Percy encontra evidências de antigas civilizações
nativas, provavelmente mais antigas que os próprios europeus que colonizaram
aquele lugar, e decide realizar uma nova expedição para encontrar o lugar. O
filme então acompanha as décadas de obsessão do britânico com sua ideia e as
tentativas de localizar a cidade perdida.
Podia ser uma narrativa
extremamente condescendente sobre o herói branco europeu que conquista, domina
e subjuga os selvagens inferiores da América do Sul, mas Gray usa a história de
Fawcett para fazer o exato oposto disso. O explorador não está atrás de riqueza
ou de levar "civilização" (ou o que os europeus da época consideravam
como tal), seus objetivos são o de mostrar que os nativos tem uma sociedade tão
complexa e sofisticada quanto a dos brancos, que insistem em vê-los como
inferiores.
Logicamente as ideias de Percy
são recebidas por escárnio por seus pares, afinal, tratar os nativos como
iguais, significaria considerar as implicações morais da escravidão e genocídio
que impõem a eles. Ao considerá-los inferiores, menos que humanos, se sentem
autorizados a cometer qualquer ato de indignidade contra eles, no entanto. O
explorador não é, porém, motivado simplesmente por um ideal de igualdade, mas
por ter sua própria experiência de ser considerado inferior e indigno pela
elite europeia simplesmente por não vir de uma ascendência considerada "de
valor" por aqueles que estão no alto da esfera social britânica.
A cena em que ele visita a casa
de um nobre depois de voltar de sua primeira expedição encontra uma maneira
muito elegante de ilustrar isso visualmente. Ao entrar na casa, o anfitrião de
Percy está no andar superior da casa e o vê da balaustrada da sacada,
literalmente olhando o protagonista de cima para baixo. Quando ele diz
"estou te vendo, Percy", isso não tem apenas um sentido literal, mas
também um simbólico. Através de seus feitos inéditos aquele homem que era
considerado inferior por uma determinada elite finalmente captou sua atenção,
passou a ser "visto" por ela.
Em muitos momentos vemos essa
dita sociedade europeia "esclarecida" medir o valor das pessoas não
por seu caráter, mas por posição social e tratar com extremo preconceito e
brutalidade qualquer um que considere diferente (e o que é diferente de seus
padrões de normalidade é imediatamente tratado como inferior). Por outro lado,
em sua experiência com os indígenas, Percy consegue encontrar espaço para o
diálogo, para o respeito às diferenças e para honra. Não é à toa que logo
depois de seu primeiro contato bem sucedido com uma tribo ele retorna para
Europa bem no início da Primeira Guerra Mundial, como se o filme quisesse fazer
um contraste entre a conduta dos indígenas e a conduta dos europeus.
O filme também não se furta ao
confrontar o personagem com suas próprias contradições, expondo-as através de
sua relação com a esposa, Nina (Sienna Miller). Apesar de seu pensamento
progressista em relação aos indígenas, ele ainda conserva um olhar
relativamente conservador e machista em relação às mulheres, negando que a
esposa vá com ele porque a selva "não é lugar de mulher". Nina, por
sinal, já se estabelece desde a primeira cena que a vemos como alguém que não
se contenta com o "lugar" que lhe é imposto pela sociedade,
reclamando do tipo de roupa que se espera que uma mulher use. Ao longo da
narrativa, ela vai tentando encontrar seu espaço nesse mundo dominado por
homens tentando ser vista como igual. Sienna Miller traz altivez e resiliência à
personagem, mas também trazendo a ela doçura e delicadeza, como o instante em
que ela sutilmente deixa uma lágrima escorrer quando Percy lhe conta que irá
para a América do Sul.
O Percy de Charlie Hunnam é um
homem igualmente incomodado com a posição à qual a sociedade britânica o
relega. Se no início ele quer de qualquer jeito sem aceito, posteriormente
passa a desprezar essa elite ao ver como eles tratam os que consideram como
inferiores, tanto os índios como ele próprio. Aos poucos ele vai se encantando
mais pela floresta e pelos indígenas do que por aqueles que seriam seus
"iguais". Isso é denotado principalmente pela montagem, que alterna
cenas dele na selva com breves instantes de sua casa e sua esposa, como se
quisesse dizer que ali, ele também se sente em casa. Isso coloca o personagem
em um incômodo entrelugar, pois ao mesmo tempo que não consegue mais se
identificar com sua própria sociedade, também nunca será plenamente integrado
aos indígenas, sendo sempre um estrangeiro ali e essa falta de identificação e incapacidade de compreender plenamente aquilo com o que está se envolvendo acaba selando seu destino.
Tecnicamente impecável em sua
reconstrução de época em termos de cenários e figurinos, em especial ao
retratar os horrores grotescos nas trincheiras da Primeira Guerra, o filme
também acerta em sua opção por usar iluminação natural. Muitos podem estranhar
que o filme pareça tão escuro, mas isso ajuda a ver as coisas (literal e
metaforicamente) como alguém daquela época as via. A floresta amazônica soa
ainda mais claustrofóbica e ameaçadora quando as matas fechadas permitem apenas
a passagem de pequenos fachos de luz, tornando-a escura mesmo de dia. Também
acerta em muitos momentos que usa música não original, como a cena em que ele
viaja de trem para o interior da Amazônia brasileira e ouvimos um trecho da
Sagração da Primavera de Stravinsky, justamente o episódio que trata da chegada
da primavera. O próprio compositor já dizia que essa música falava da
unificação da Rússia pagã em torno do mistério e da onda de criatividade
trazidos pela primavera. Paganismo, mistério e novas ideias são exatamente o
que aguardam Percy em sua jornada e a colocação dessa música bem no momento em
que ele inicia sua jornada funciona como um prelúdio do que está por vir.
Z: A Cidade Perdida se revela um complexo estudo sobre como a
humanidade lida com as diferenças e sobre um homem movido por uma obsessão.
Nota: 10/10
Trailer
Um comentário:
Tom Holland tem talento e o demostrou, amei. Na minha opinião Homem aranha de volta ao lar foi um dos melhores filmes de ação que foi lançado. O ritmo é bom e consegue nos prender desde o princípio, em o Novo Homem Aranha Tom Holland faz um excelente trabalho como ator. Não tem dúvida de que Tom Holland foi perfeito para o papel de protagonista.
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