sexta-feira, 4 de agosto de 2017

Crítica - Ícaro

Análise Ícaro


Review IcarusFazer um documentário muitas vezes é partir em busca de algo que não se sabe se será obtido ou alcançado. Muitas vezes um cineasta tem uma ideia clara do filme que quer, mas no curso da realização algo acontece que o leva para outra direção. Foi mais ou menos isso que aconteceu neste Ícaro, produção original da Netflix.

A intenção inicial do diretor e ciclista semiprofissional Bryan Fogel era fazer uma espécie de Super Size Me: A Dieta do Palhaço (2004) do doping. Com auxílio de médicos do esporte e especialistas de testes antidoping, ele usaria anabolizantes para melhorar sua performance e burlaria os testes de drogas para mostrar como é fácil burlar esse tipo de exame, tal qual o ciclista Lance Armstrong fez durante anos. Durante o processo, o especialista antidoping que acompanhava Bryan decide desistir, com medo que o ato de ajudar um atleta burlar o sistema acabe com sua credibilidade no meio esportivo. Bryan acaba então direcionado para o bioquímico russo Grigory Rodchenkov, o responsável pela agência antidoping da Rússia. Grigory começa a instruir Bryan, mas logo uma reportagem de uma televisão alemã libera informações de que o bioquímico está no centro de um esquema encabeçado pelo governo russo para dopar seus atletas e evitar detecção nos testes. Assim, Bryan muda seu foco para investigar o papel de Grigory nisso tudo.

Talvez tivesse sido melhor se Bryan Fogel retirasse toda (ou pelo menos um considerável pedaço) a parte de seu experimento com doping no ciclismo no corte final do filme. Esse pedaço inicial faz sua narrativa demorar a chegar onde quer, torna o filme desnecessariamente longo e seu ponto, o de que ciclistas conseguem evitar o sistema antidoping, já tinha sido exaustivamente provado. O escândalo envolvendo Lance Armstrong e outros ciclistas já tinha sido exaustivamente investigado e analisado em filmes como A Mentira de Armstrong (2013) e Stop at Nothing: The Lance Armstrong Story (2014) e, assim sendo, toda o prólogo do filme acaba soando um pouco redundante.

É quando o filme se debruça sobre a denúncia do esquema russo que as coisas realmente engrenam e ganham contornos de filme de espionagem conforme Rodchenkov passa a temer pela própria vida e o documentário traz um senso palpável de tensão conforme Bryan tenta tirá-lo da Rússia e mantê-lo seguro. O que se segue acaba sendo um relato detalhado e contundente de como a alta cúpula russa, implicando diretamente o ministro do esporte e possivelmente o presidente Vladimir Putin, criaram um esquema que existe a décadas para que os atletas russos conseguissem usar anabolizantes e ainda assim passassem incólumes nos testes antidoping.

Ajuda o filme que Rodchenkov seja um personagem tão fascinante. Nas conversas iniciais com Bryan durante seu experimento com anabolizantes ele parece ser apenas um sujeito amoral e antiético ao discutir trapaças de maneira tão aparente e sem vergonha. Aos poucos, no entanto, vamos descobrindo um componente trágico de sua vida e como, de certa maneira, ele quase um refém do governo russo, humanizando-o ainda que não exatamente tente torná-lo um sujeito completamente inocente naquilo tudo.

Conforme segue a reação do COI (Comitê Olímpico Internacional) em relação às informações divulgadas do esquema russo, o filme também nos faz pensar como isso provavelmente não é um caso isolado e que o esquema põe em questão toda a idoneidade dos procedimentos. A própria decisão do COI em voltar atrás no banimento dos atletas russos a despeito do acachapante volume de provas materiais já demonstra como a entidade não é movida meramente pela preocupação com o fair play. Afinal eles poderiam anunciar uma completa reestruturação de seus processos, fazer um mea culpa sobre as fraudes que ocorreram sob seus narizes, mas ao invés disso resolvem enterrar o caso e seguir adiante, revelando que se preocupam mais com uma aparência de que tudo está bem do que em realmente garantir que tudo esteja conforme deve ser. Apesar de ser a única a ter provas contundentes reveladas, é pouco provável que a Rússia seja o único país com um esquema de fraudar o antidoping.

Apesar de começar com um experimento que tem pouco a dizer sobre o mundo do esporte, Ícaro acaba se transformando em uma impactante denúncia que põe em questão toda a idoneidade do esporte olímpico.


Nota: 7/10 

Trailer

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