terça-feira, 29 de agosto de 2017

Crítica - Os Guardiões

Análise Os Guardiões


Review Os Guardiões
Desde o início de sua divulgação aqui no Brasil este Os Guardiões tem sido vendido uma espécie de equivalente russo de filmes de super-heróis como Vingadores (2012). A primeira coisa que chamava atenção em sua publicidade era o visual exótico e exagerado de seus heróis, um deles sendo um tipo de homem-urso enorme com uma metralhadora imensa. Um homem-urso. Com uma metralhadora. Imensa. Imagino que se isso não convencer as pessoas a assistirem nada mais o fará. Afinal, um filme com um personagem desses deve ser ao menos divertido mesmo que seja ruim, certo? Bem, não.

Na trama, o governo russo desenvolveu um programa durante a Guerra Fria para criar soldados geneticamente alterados. Alguns experimentos são bem sucedidos, mas o programa acaba cancelado e as cobaias são liberadas. Anos depois, o maligno cientista Kuratov (Stanislav Shirin), um dos envolvidos no programa, ganha poderes em um acidente de laboratório quando os militares russos tentam capturá-lo. Transformado em um plágio do vilão Bane (sério, tem até uma cena em que ele quebra as costas de um dos heróis com o joelho), ele parte em um plano vago de destruição global, mas para isso precisa ativar um satélite que o permitirá controlar todas as máquinas do mundo. Assim, o governo precisa localizar as antigas cobaias, já que só eles podem deter o vilão.

Não há uma maneira muito gentil de dizer isso, mas lá vai: o roteiro possui uma enorme quantidade de furos e tem sérios problemas de ritmo e  fluxo de informação. Toda a "mitologia" desse universo é rapidamente vomitada ao espectador rapidamente nos primeiros minutos, sem sequer dar tempo para o público, que mal embarcou ainda no filme, sequer respire e absorva tudo. Tem muita coisa que não faz muito sentido, por exemplo: Como é que o governo russo e os militares não mantinham as cobaias sob intensa vigilância? Eles simplesmente confiaram que todos iam se comportar ou foram míopes demais para pensar na possibilidade de que um dia poderiam precisar da ajuda deles?  Quando o vilão captura boa parte da equipe de heróis, porque ele não os mata depois de deixar sua base e partir rumo a Moscou? O que ele teria a ganhar abandonando os personagens em uma instalação quase que vazia da qual os heróis poderiam ser facilmente resgatados? Existem outros, mas esses estão aqui só para dar uma dimensão de como a lógica causal da trama é frouxa e torna difícil aderir a ela.

Os poderes dos personagens são igualmente mal concebidos e mal explicados, muitas vezes falhando em sequer estabelecê-los como habilidades realmente úteis ou impressionantes. Ler (Sebastian Sisak) tem poderes de telepatia...que aparentemente só afetam rochas, o que faz dele uma espécie de Magneto das pedras, e o que é mostrado do seu poder fazer parecer que ele só consegue manipular rochas soltas e não mover o solo (criando terremotos ou tremores, por exemplo) ou qualquer mineral como bem entender, o que o torna bem limitado. Por algum motivo ele também é capaz de disparar um grande raio azul com a ajuda dos aliados perto do final, de onde vem esse poder nunca é explicado.

O mesmo pode ser dito de Ksenia (Alina Lanina) que pode ficar invisível quando seu corpo entra em contato com a água, o que a tornaria inútil em qualquer missão que não estivesse chovendo ou não tivesse uma piscina por perto. É quase tão estúpido quanto o Menino Invisível de Heróis Muito Loucos (1999), que só podia ficar invisível quando ninguém estava olhando para ele. A diferença é que Heróis Muito Loucos era uma comédia e os poderes do personagem foram pensados para serem idiotas. Tudo bem que perto do final ela ganha um traje que a permite ficar invisível quando bem entender, mas a esse ponto já é tarde demais para desfazer a primeira impressão pouco impactante deixada por ela. Além disso, os trajes surgem simplesmente do nada (os militares já tinham e não os deram antes? Fabricaram eles nos poucos dias em que tiveram contato com os heróis?) quase como se os roteiristas tivessem percebido tarde demais os heróis sem graça que criaram e resolveram resolver tudo magicamente no último minuto ao invés de reescrever o começo.

Se os poderes não impressionam, as personalidades deles pouco fazem para despertar nossa empatia. Isso porque os personagens meramente anunciam como se sentem ao invés de nos deixar perceber quem eles são. Se Ler não falasse em voz alta sua dor pela perda da família ou se Arsus (Anton Pampushnyy) não lamentasse o fato de se transformar uma fera jamais seríamos capazes de perceber esses sentimentos deles dada a inexpressividade geral do elenco.

Filmes recentes, como Homem-Formiga (2015), conseguem fazer heróis com poderes aparentemente bobos soarem empolgantes ou divertidos graças à construção de personagem e de situações que seus poderes possam ser utilizados de modo que pareçam impressionantes ou úteis. O fato de Os Guardiões não conseguir nos fornecer esse deslumbramento com as habilidades dos heróis prejudica a nossa adesão ao filme. A típica cena da "primeira missão", que deveria consolidar aos olhos do público a capacidade dos heróis, vai na direção oposta e os personagens são facilmente capturados, com Ksenia caindo direto em uma armadilha sem sequer ter a chance de lutar direito.

Eu sei que eles não poderiam derrotar o vilão já de cara, mas ao menos deveriam obter algum senso de vitória, de que eles fizeram alguma diferença ou dar ao público uma noção do que eles são capazes de conseguir com seu poder. Imaginem só se o Superman falhasse em salvar o helicóptero em Superman: O Filme (1978) e todo mundo morresse. Se o Batman tomasse a maior surra dos capangas do Carmine Falcone ao invés de derrotá-los em Batman Begins (2005) ou se o Capitão América fracassasse em salvar o Bucky, os demais soldados e apanhasse do Caveira Vermelha em sua primeira missão em Capitão América: O Primeiro Vingador (2011). Seríamos capazes de ver esses heróis como figuras inspiradoras e capazes de salvar o mundo? Seríamos capazes de torcer por eles? Provavelmente não e é isso que acontece aqui. Não temos absolutamente nenhuma razão para nos importarmos ou torcermos para o sucesso desses personagens.

Os efeitos especiais são bem toscos (já era perceptível nos trailers) e artificiais, mas isso não incomodaria tanto se as cenas de ação fossem ao menos divertidas e não é o caso. As coreografias de luta são burocráticas, sem energia ou empolgação e tudo é filmado com aquele excesso de cortes que torna os embates fragmentados e pouco dinâmicos. A exceção fica por conta de algumas cenas envolvendo Arsus, afinal "homem urso com uma metralhadora enorme" é uma ideia tão absurda, exagerada e insólita que é praticamente impossível de estragar. Também existem alguns furos de continuidade, como o fato de Arsus rasgar suas calças ao se transformar em sua forma completa de urso e nas cenas imediatamente seguintes, quando retorna à forma humana ou de "homem urso" ele magicamente está vestindo calças. Talvez fazer calças brotarem de suas pernas seja parte de seus poderes, talvez ele tenha roubado se algum inimigo caído ou talvez ninguém envolvido na produção desse a mínima.

Com uma narrativa que não convence, personagens que não impressionam e ação sonolenta, Os Guardiões não consegue funcionar nem como um filme trash divertido. Se a ideia era criar algo que pudesse fazer frente aos filmes da Marvel e DC, Os Guardiões errou feio, errou rude.


Nota: 1/10


Obs: Há uma cena adicional no meio dos créditos.

Trailer:

Nenhum comentário: