Ninguém esperava que Kingsman: O Serviço Secreto (2014) fosse
ser tão bom com sua sátira anárquica dos tradicionais filmes espiões. O
sucesso, no entanto, pode ser uma faca de dois gumes, já que este Kingsman: O Círculo Dourado chega com a
expectativa de ser algo tão bacana quanto o primeiro filme e o resultado final
pode frustrar quem entrar na sala de cinema com hype
em alta. O problema mais grave do filme, porém, é que ele parece não
entender o que seu anterior tinha de mais interessante.
A trama começa quando a Kingsman
é atacada pela traficante de drogas Poppy (Julianne Moore). Com suas bases
destruídas e sem recursos, Eggsy (Taron Egerton) e Merlin (Mark Strong) vão
pedir ajuda à "agência-irmã" Statesman, o equivalente dos Estados
Unidos da Kingsman. Lá recebem ajuda dos agentes Tequila (Channing Tatum),
Uísque (Pedro Pascal) e Ginger Ale (Halle Berry) e descobrem que Harry (Colin
Firth) sobreviveu aos eventos do filme anterior. Com o auxílio dos novos
agentes Eggsy corre contra o tempo para impedir os planos de Poppy.
Se o primeiro filme divertia
principalmente pelo modo como expunha ao ridículo os clichês e convenções
cafonas dos filmes de ação de outrora, este repete todos os clichês conhecidos
sem um pingo de ironia ou sarcasmo e assim se torna mais um filme de ação como
qualquer outro. Lugares comuns cansados surgem a todo minuto na tela sem que
qualquer tentativa de subversão seja feita, como o fato da vida de agente
interferir na vida amorosa de Eggsy, a conveniente amnésia de Harry, o eventual
traidor, a namorada que precisa ser salva, o coadjuvante que se sacrifica, o
momento em que o herói despacha o inimigo que matou seus aliados dizendo
"isso é por fulano!". Tudo soa como uma repetição maçante de ideias
que já cansamos ver ao invés da diversão cheia de energia e humor de antes. Não
ajuda que a narrativa demore a engrenar com o conflito principal do filme sendo
delineado com quase uma hora e meia de projeção.
Mark Strong, Taron Edgerton e
Colin Firth conseguem trazer carisma aos seus personagens mesmo quando o texto
deixa a desejar e a química entre eles rende alguns momentos divertidos como a
cena de bebedeira entre Merlin e Eggsy no início do filme. Por outro lado, o
filme desperdiça uma quantidade enorme de bons atores em personagens que não
conseguem dizer a que vieram como Channing Tatum, Halle Berry, Jeff Bridges,
Emily Mortimer e mais alguns outros. Ao final fica a promessa de alguns deles
podem ser importantes mais para frente, mas isso não alivia o fato de muitos deles
passarem pela trama sem fazer muita diferença.
Boa parte do apelo do primeiro
tinha a ver com o fato de atores como Colin Firth e Samuel L. Jackson
interpretarem personagens contrários aos tipos que eles habitualmente viviam,
com Firth se tornando um herói de ação e Jackson um vilão de fala fina com nojo
de violência. Isso não ocorre com os novatos do elenco, já que Bridges ou Tatum
apenas repetem o mesmo tipo de personagem que já os vimos interpretar diversas
vezes.
A abordagem paródica e crítica do
primeiro filme sobrevive somente na exagerada vilã interpretada por Julianne
Moore. Claramente se divertindo no papel de uma criminosa sádica obcecada pela
estética dos anos 50, Moore acerta em sua caricatura de megalomaníaca. A
participação de Sir Elton John como ele mesmo é igualmente recheada de humor
autorreferencial e não há como não se divertir ao vê-lo largar uma voadora em
cima dos capangas de Poppy.
O arco da vilã também serve como
uma crítica à hipocrisia das políticas de combate às drogas que elege certas
substâncias como horrores a serem eliminados enquanto que outras igualmente
nocivas como o tabaco, o álcool e certos medicamentos são livremente
comercializados, faturando cifras altíssimas. Também aborda a maneira ineficaz
com a qual as autoridades tratam os usuários de drogas, preferindo abordar a
questão sob um ponto de vista criminal e não de saúde pública.
As cenas de ação são tão
competentes quanto antes, embora este filme não traga nada tão icônico quanto o
tiroteio na igreja do primeiro. Ainda assim os embates e perseguições são
bastante ágeis e bem encenados o suficiente para não ficarmos perdidos em meio
ao caos da ação, sendo criativos ao explorarem os gadgets insólitos usados pelos agentes. O destaque fica por conta da
perseguição do início, uma briga de bar protagonizada por Uísque (que repete a
cena do diálogo "as maneiras fazem o homem" do primeiro filme) e todo
o segmento em uma montanha nevada.
Ainda que tenha momentos
divertidos, Kingsman: O Círculo Dourado
lamentavelmente acaba se tornando exatamente o tipo de filme que deveria
parodiar. Apesar da expansão do universo e da mitologia, fica a sensação de que
as coisas regrediram ao invés de evoluírem.
Nota: 6/10
Trailer
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