O diretor Darren Aronofsky é
famoso por obras enigmáticas e cheias de simbolismos, como Fonte da Vida (2006) e Cisne
Negro (2010), que costumam exigir muito do espectador para penetrar em seus
universos e decifrar seus segredos. Nesse sentido, Mãe! é talvez seu trabalho mais complexo e de difícil penetração,
já que filmes anteriores tinham alguma linha narrativa que conseguia ser
acompanhada pelo espectador mesmo que ele não se interessasse em interpretar
seus subtextos. Mãe!, por outro lado,
tem pouquíssima trama, se construindo em cima de alegorias, simbolismos e subtextos. Isso não é de maneira
alguma uma falha, mas é preciso deixar clara a natureza da obra já que quem
entrar desavisado no cinema certamente irá se frustrar e imagino que não serão
muitos a estarem predispostos a embarcar na jornada alegórica proposta pelo
filme.
O filme é focado em uma mulher
(Jennifer Lawrence), a Mãe, e um homem (Javier Bardem), o Poeta, que vivem em
uma isolada casa vitoriana. Ela trabalha na reforma da casa, desejando
transformar tudo em um paraíso para os dois. Ele fica em seu escritório tentando
escrever sua próxima grande poesia. O cotidiano tranquilo dos dois é
bruscamente interrompido com a chegada de um novo casal (Ed Harris e Michelle
Pfeiffer) que acaba se hospedando na casa a convite do Poeta, mesmo sob os
protestos da Mãe. Com o tempo, a presença dos recém chegados começa a causar
problema na relação entre dois.
Os eventos começam devagar,
mostrando o cotidiano do casal principal e as maneiras como os visitantes criam
conflitos dentro do que parece ser uma vida simples e pacata. Por volta da
metade, no entanto, as coisas vão dando uma guinada e os problemas começam a
crescer rapidamente, com tudo saindo do controle da Mãe e criando situações
extremas de tensão e perturbação.
Como já disse, tudo opera mais em
um nível simbólico do que literal e o filme se abre a diferentes
interpretações. É possível tratar tudo como um grande e metafórico resumo da
bíblia indo da gênese ao apocalipse, com o casal de visitantes pegando algo que
lhes é proibido, fratricídio (pensem em Caim e Abel), o Poeta publicando uma
nova obra que se populariza e gera seguidores fervoroso (como se fosse o novo
testamento) e daí em diante. Pode ser entendido como uma metáfora da relação
entre o homem e a natureza, com a Mãe sendo a metáfora da natureza, criando a
casa, fazendo a comida e provendo tudo mais que o Poeta precisa para fazer seu
trabalho enquanto ele a subestima a explora e parece não se importar com a
sujeira e depredação que os demais fazem com a Mãe.
Há também a possibilidade de ser
visto como um exame do que se pensa como o papel social da mulher, sempre
relegada a um papel subalterno, sem voz ativa na relação e tendo que aceitar
passivamente as ações do homem mesmo quando são abusivas e lhe fazem mal. Seria
igualmente plausível leitura de tudo como um estudo da eterna ambição e
descontentamento do ser humano que mesmo sendo provido de tudo sempre quer algo
mais e nessa busca por completude acaba consumindo tudo ao seu redor. Essas
diferentes interpretações trazidas aqui nem de longe esgotam as possibilidades
de leitura do filme e confesso que tenho curiosidade em aguardar pelas teorias
e pirações que eventualmente serão elaboradas pelos espectadores.
Toda essa jornada simbólica é
conduzida com muita segurança por Aronofsky, que constantemente nos traz
imagens perturbadoras e situações angustiantes. Sua câmera está quase sempre
acompanhando de perto Jennifer Lawrence, seja em closes extremos do seu rosto, seja acompanhando seus movimentos
atrás dela ou sobre seus ombros, criando uma escala de planos que é
constantemente pequena em escopo e dando uma impressão de aperto e
claustrofobia. A iluminação é usada para denotar a progressão dos eventos e a degradação
da casa e da Mãe começando com tudo bem iluminado e espaços com janelas e mais
abertos, mas aos poucos tudo vai ficando mais escuro, os espaços vão ficando
mais fechados, sendo tapados com madeiras e tapumes, transformando a casa de um
paraíso idílico a um inferno labiríntico e opressor no qual as pessoas disputam
o pouco espaço.
Intenso, provocador e rico de
significados, Mãe! é mais um
excelente trabalho de Darren Aronofsky. Sua natureza aberta e alegórica não
deve agradar a todos, mas certamente é um filme que não permite que seu
espectador fique indiferente a ele tanto para o bem quanto para o mal.
Nota: 9/10
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