terça-feira, 19 de setembro de 2017

Crítica - Mãe!

Resenha Mãe!


Review Mãe!
O diretor Darren Aronofsky é famoso por obras enigmáticas e cheias de simbolismos, como Fonte da Vida (2006) e Cisne Negro (2010), que costumam exigir muito do espectador para penetrar em seus universos e decifrar seus segredos. Nesse sentido, Mãe! é talvez seu trabalho mais complexo e de difícil penetração, já que filmes anteriores tinham alguma linha narrativa que conseguia ser acompanhada pelo espectador mesmo que ele não se interessasse em interpretar seus subtextos. Mãe!, por outro lado, tem pouquíssima trama, se construindo em cima de alegorias, simbolismos e subtextos. Isso não é de maneira alguma uma falha, mas é preciso deixar clara a natureza da obra já que quem entrar desavisado no cinema certamente irá se frustrar e imagino que não serão muitos a estarem predispostos a embarcar na jornada alegórica proposta pelo filme.

O filme é focado em uma mulher (Jennifer Lawrence), a Mãe, e um homem (Javier Bardem), o Poeta, que vivem em uma isolada casa vitoriana. Ela trabalha na reforma da casa, desejando transformar tudo em um paraíso para os dois. Ele fica em seu escritório tentando escrever sua próxima grande poesia. O cotidiano tranquilo dos dois é bruscamente interrompido com a chegada de um novo casal (Ed Harris e Michelle Pfeiffer) que acaba se hospedando na casa a convite do Poeta, mesmo sob os protestos da Mãe. Com o tempo, a presença dos recém chegados começa a causar problema na relação entre dois.

Os eventos começam devagar, mostrando o cotidiano do casal principal e as maneiras como os visitantes criam conflitos dentro do que parece ser uma vida simples e pacata. Por volta da metade, no entanto, as coisas vão dando uma guinada e os problemas começam a crescer rapidamente, com tudo saindo do controle da Mãe e criando situações extremas de tensão e perturbação.

Como já disse, tudo opera mais em um nível simbólico do que literal e o filme se abre a diferentes interpretações. É possível tratar tudo como um grande e metafórico resumo da bíblia indo da gênese ao apocalipse, com o casal de visitantes pegando algo que lhes é proibido, fratricídio (pensem em Caim e Abel), o Poeta publicando uma nova obra que se populariza e gera seguidores fervoroso (como se fosse o novo testamento) e daí em diante. Pode ser entendido como uma metáfora da relação entre o homem e a natureza, com a Mãe sendo a metáfora da natureza, criando a casa, fazendo a comida e provendo tudo mais que o Poeta precisa para fazer seu trabalho enquanto ele a subestima a explora e parece não se importar com a sujeira e depredação que os demais fazem com a Mãe.

Há também a possibilidade de ser visto como um exame do que se pensa como o papel social da mulher, sempre relegada a um papel subalterno, sem voz ativa na relação e tendo que aceitar passivamente as ações do homem mesmo quando são abusivas e lhe fazem mal. Seria igualmente plausível leitura de tudo como um estudo da eterna ambição e descontentamento do ser humano que mesmo sendo provido de tudo sempre quer algo mais e nessa busca por completude acaba consumindo tudo ao seu redor. Essas diferentes interpretações trazidas aqui nem de longe esgotam as possibilidades de leitura do filme e confesso que tenho curiosidade em aguardar pelas teorias e pirações que eventualmente serão elaboradas pelos espectadores.

Toda essa jornada simbólica é conduzida com muita segurança por Aronofsky, que constantemente nos traz imagens perturbadoras e situações angustiantes. Sua câmera está quase sempre acompanhando de perto Jennifer Lawrence, seja em closes extremos do seu rosto, seja acompanhando seus movimentos atrás dela ou sobre seus ombros, criando uma escala de planos que é constantemente pequena em escopo e dando uma impressão de aperto e claustrofobia. A iluminação é usada para denotar a progressão dos eventos e a degradação da casa e da Mãe começando com tudo bem iluminado e espaços com janelas e mais abertos, mas aos poucos tudo vai ficando mais escuro, os espaços vão ficando mais fechados, sendo tapados com madeiras e tapumes, transformando a casa de um paraíso idílico a um inferno labiríntico e opressor no qual as pessoas disputam o pouco espaço.

Intenso, provocador e rico de significados, Mãe! é mais um excelente trabalho de Darren Aronofsky. Sua natureza aberta e alegórica não deve agradar a todos, mas certamente é um filme que não permite que seu espectador fique indiferente a ele tanto para o bem quanto para o mal.


Nota: 9/10

Trailer

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