segunda-feira, 4 de setembro de 2017

Crítica - Narcos: 3ª Temporada

Análise Narcos: 3ª Temporada


Review Narcos Season 3
A principal pergunta ao fim da segunda temporada de Narcos era se a série conseguiria se manter mesmo sem a figura complexa e instigante de Pablo Escobar (Wagner Moura). Essa terceira temporada não consegue encontrar um personagem tão bom quanto o chefe do tráfico das duas primeiras, mas acerta ao finalmente adotar uma postura crítica em relação à chamada "guerra às drogas".

Com o fim do reinado de Pablo Escobar, o agente Peña (Pedro Pascal) volta suas atenções ao Cartel de Cali. O líderes do Cartel, que se autointitulam "cavalheiros de Cali", no entanto tem seus próprios planos para deixar o tráfico. Eles planejam uma rendição ao governo colombiano, mas uma rendição que não trará nenhuma punição real a eles exceto que deverão parar com suas atividades ilegais. Com seis meses até o termo de rendição ser efetivado, o Cartel planeja lucrar o máximo possível com as drogas para ter o suficiente depois que "se aposentarem". Peña, porém, não está disposto a deixar que eles se safem com tanta facilidade.

Se nas temporadas anteriores a presença dos Estados Unidos na Colômbia e toda a retórica de "guerra às drogas" era aceita acriticamente, aqui há um esforço de demonstrar como nada disso objetiva resolver coisa alguma e é apenas uma estratégia para que os EUA mantenham poder sobre países estrangeiros. As estratégias de combate às drogas parecem criar um ciclo vicioso no qual para derrotar um inimigo é preciso fomentar opositores e estes opositores inevitavelmente se beneficiam do vácuo deixado pela derrota do inimigo tomando eles próprios o controle do narcotráfico. Se antes derrotar o tráfico parecia fácil, bastando derrubar quem estivesse chefiando tudo, agora parece uma luta quixotesca contra forças amplas e muitas vezes invisíveis.

A postura crítica e desencantada quanto ao papel dos EUA em tudo isso é bem-vinda, ainda que tardia, mas apesar da série amadurecer neste aspecto e deixar de lado uma certa ingenuidade quanto ao intervencionismo estadunidense, alguns problemas ainda permanecem. O principal deles é o modo como a narrativa se importa mais com o contexto e como ele molda as ações e reações dos sujeitos do que com os sujeitos em si. Assim como nas temporadas anteriores os personagens são meras engrenagens em um grande relógio que se move a despeito deles. Eu sei que a série quer mostrar o "grande esquema das coisas" e todo o sistema de corrupção e interesses escusos que permite a existência do narcotráfico, mas ao tratar seus personagens como peões em um tabuleiro, eles se tornam meros dispositivos de roteiro e não indivíduos com personalidades próprias que podemos aderir, torcer ou rejeitar.

Peguemos, por exemplo, o agente Peña. Acompanhamos ele há mais de três anos e sabemos pouco ao seu respeito além do fato de que ele está disposto a se comprometer moralmente por sua missão, é mulherengo e tem problemas com bebida. Esses dois últimos atributos apareciam constantemente nas duas temporadas anteriores, mas são praticamente esquecidos aqui. O agente Murphy (Boyd Holbrook) desaparece completamente sem maiores explicações. Tudo bem que ele também não era um personagem muito envolvente, mas depois de fazer o público acompanhá-lo por quase vinte horas de narrativa era ao menos esperado que se desse algum senso de fechamento ao invés de simplesmente sumir com o personagem. Os dois líderes do Cartel de Cali são bandidões genéricos e unidimensionais que nunca atraem nosso interesse ou temor.

O único personagem que parece ter alguma personalidade e conflito é Jorge Salcedo (Matias Varela), um dos responsáveis pela segurança do Cartel que lamenta a vida criminosa que tem e deseja abrir uma empresa legítima assim que seus chefes se renderem. As investidas de Peña e do departamento antidrogas, porém, frustram seus planos e os líderes do Cartel o obrigam a continuar trabalhando. Conforme o cerco de Peña os aperta e os demais membros da equipe de segurança vão sendo eliminados, Salcedo começa a contemplar colaborar com os agentes para fugir da violência do Cartel. Desde o início estabelecido como alguém que não partilha do comportamento violento dos demais narcos e tem um certo código de honra e de lealdade e sua jornada põe em teste seus valores conforme ele luta para sobreviver.

É possível sentir como certas ações que vão contra sua personalidade tem impacto sobre Salcedo. O modo como ele desaba e chora diante da esposa depois de sacrificar um amigo para manter sua posição de informante revela a dor, o desespero e a vulnerabilidade do personagem diante de sua situação precária. Do mesmo modo, o ator Matias Varela dá ao personagem uma expressão de surpresa a Salcedo quando ele atira sucessivas vezes contra um capanga do cartel em um dos últimos episódios, quase como se naquele momento o personagem descobrisse em si uma brutalidade que ele nunca soube possuir.

São de Salcedo também os principais momentos de tensão da temporada conforme ele tenta informar os agentes do DEA e auxiliá-los a efetuar suas prisões sem comprometer sua posição dentro do cartel. Especialmente eficiente é a cena da batida ao prédio, na qual os planos dão errado e Salcedo é obrigado a improvisar. Sim é tudo conduzido de maneira competente, mas muito do que acontece é aquele jogo de gato e rato que já vimos em muitas outras narrativas similares, como Sicario: Terra de Ninguém (2015) ou Os Infiltrados (2006). Não há nada aqui que já não tenhamos visto em outros filmes e séries sobre combate ao crime organizado, incluindo o clímax da temporada que remete diretamente a Os Intocáveis (1987) com sua corrida contra o tempo para encontrar e manter em segurança o contador responsável pelos livros-caixa dos criminosos.

Talvez essa natureza repetitiva seja a maior prova de como a tal "guerra às drogas" obteve poucos resultados. Há décadas ouvimos e vemos narrativas inspiradas em fatos reais com os acontecimentos similares, conflitos similares e tipos de personagens similares ao ponto em que não apenas esse subgênero narrativo, mas as próprias estratégias reais de combate ao crime organizado parecem paradas no tempo. Um cão perseguindo o próprio rabo. Se essa temporada de Narcos obviamente não tem culpa da História (sim aquela em maiúsculo) continuar se repetindo de maneira trágica e farsesca sem que as autoridades e governos aprendam coisa alguma, é, no entanto, culpada de efetivamente ter muito pouco a dizer sobre tudo isso, repetindo os mesmos clichês de sempre para obter a mesma reação de sempre em seu público. As anteriores podiam até não ter muito o que dizer também, mas ao menos nos davam um personagens interessantíssimo na figura de Pablo Escobar.

Essa terceira temporada de Narcos consegue mostrar que ainda há muito o que ser contado sobre a história do narcotráfico, sendo competente na construção do suspense e na sua crítica às políticas de combate às drogas, mas sem uma âncora tão forte e marcante quanto o Escobar de Wagner Moura, tudo soa como uma repetição de coisas que já vimos antes.


Nota: 6/10

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