terça-feira, 5 de setembro de 2017

Crítica - Quantico: 2ª Temporada

Análise Quantico: 2ª Temporada


Resenha Quantico: 2ª Temporada
Meu principal temor ao me aproximar dessa segunda temporada de Quantico era que a série ficasse demasiadamente presa ao formato apresentado (e que deu certo) na primeira temporada ao ponto em que tudo soasse como uma repetição de antes como ocorreu de certa maneira com a segunda temporada de How to Get Away With Murder. Apesar de quase cair no erro de deixar que o formato se torne um estorvo, o resultado acaba sendo um suspense bem eficiente. A partir desse ponto o texto pode conter SPOILERS.

A nova temporada mais uma vez coloca Alex Parrish (Priyanka Chopra, que foi vilã no recente remake de Baywatch) no centro de um grande atentado terrorista em Nova Iorque. Dessa vez um grupo terrorista invade uma reunião do G20 e toma os principais líderes mundiais como reféns. No melhor estilo Duro de Matar (1988), Alex estava no prédio no momento do ataque e precisa sozinha encontrar uma forma de dirimir a ameaça. A narrativa segue o padrão da temporada anterior de alternar em sua primeira metade entre eventos no presente (o ataque) e do passado. Se antes víamos seu treinamento no FBI, agora a vemos treinar na CIA, visto que ela se juntou a agência no fim da primeira temporada. Alex, no entanto, não está na "Fazenda" (nome da instalação de treinamento da CIA) apenas para treinar, mas em uma missão para descobrir um grupo de agentes renegados dentro da CIA que planeja derrubar o governo. O objetivo dela é ser recrutada pelo grupo, chamado de AIC (CIA ao contrário), e desmantelá-lo.

A repetição da estrutura de flashbacks de treinamento parece ser (e é) uma reprodução preguiçosa do que vimos na temporada de estreia e me fez temer pelo futuro de Quantico. Afinal, em quantas agências do governo a Alex vai treinar? Será que na próxima temporada ela treinará na Guarda Nacional? No exército? Escola de pilotagem? Há um limite em que isso pode ser replicado ser cair no ridículo e espero que os criadores da série percebam isso. Mesmo com o incômodo da repetição, a estrutura funciona pelo hábil manejo da intriga, criando personagens e situações que constantemente nos deixam incertos ou em suspense do que realmente está acontecendo ou quais as intenções daqueles indivíduos. Cada episódio consegue terminar em um gancho instigante que nos deixa ansiosos pelo que acontece em seguida.

Entre os novos personagens o destaque fica por conta do agente britânico Harry Doyle (Russell Tovey), um operativo cheio de malandragem, engenhosidade e dissimulação cujas palavras sempre parecem carregadas de segundas intenções. O instrutor da CIA Owen Hall (Blair Underwood) começa como aquele típico sargento durão, mas vai ganhando mais complexidade conforme a trama a avança e conhecemos seu passado como um agente frustrado cuja carreira em campo se encerrou cedo demais.

O elenco que retorna continua competente e o texto consegue nos fazer duvidar das intenções de alguns deles mesmo com nosso conhecimento a respeito de quem são, o que apenas reforça a capacidade dos roteiristas em criar intrigas e reviravoltas convincentes. Cheguei em alguns momentos a me questionar se a estoica Miranda (Aunjanue Ellis) ou as gêmeas Nimah e Raina (ambas Yasmine Al Massri) eram na realidade criminosas. Priyanka Chopra permanece magnética como Alex, trazendo a natureza obstinada e confiante da agente conforme seu treinamento e suas ações combatendo terroristas a fazem questionar seus limites morais e o que ela está disposta a abrir mão para conseguir vencer.

O romance entre ela e Ryan (Jake McLaughlin) poderia soar deslocado já que há coisas maiores em jogo, mas se desenvolve de maneira orgânica, mesmo entre as várias idas e vindas dos dois. Esses reveses no relacionamento costumam soar críveis e decorrências lógicas do desgaste provocado pelo trabalho de ambos, que constantemente precisam mentir um para o outro. É interessante também o modo como a trama chama atenção para o fato de Ryan se incomodar em não ser o protagonista da relação, revelando como o ego masculino ainda tem dificuldade em lidar com um relacionamento no qual a mulher não vive em função do homem. Nem todos os personagens, no entanto, funcionam como deveriam, Will (Jay Armstrong Johnson) continua soando como uma caricatura exagerada e alguns novatos como Leon (Aarón Diaz) entram e saem da narrativa sem dizerem a que vieram.

A resolução da trama do ataque ao G20 esbarra em alguns furos e soluções pouco críveis. Se o grupo por trás daquilo queria, na verdade, expor e eliminar os terroristas da AIC era realmente necessário encenar um ataque terrorista em Nova Iorque? Soa como um exagero. Do mesmo modo, a justificativa de Miranda para apoiar o que acontece encontra algumas incoerências. Ela diz que não imaginava que os agentes adotariam táticas tão extremas e que se afastou quando percebeu o radicalismo deles apesar de acreditar na missão. No entanto, mesmo depois da execução pública da Primeira Dama, Miranda continuou a dar informações aos renegados sobre o paradeiro e os planos de Alex e revelação acaba soando inconsistente em relação ao que já tínhamos visto.

A trama se transforma depois da resolução da crise no G20 por volta do décimo terceiro episódio. Resolvido o atentado, o grupo se reúne para resolver uma conspiração global que visa desestabilizar o governo com informações roubadas durante o ataque ao fórum internacional. Essa parte final da temporada se configura como um grande comentário sobre o momento político e social que os Estados Unidos vivem atualmente. Tratando de temas como a ascensão de forças conservadoras e políticas excludentes (e fundamentalmente racistas) que mais agravam do que ajudam na guerra contra o terrorismo, a série consegue mostrar o clima de apreensão, ansiedade e divisão que tomou o país.

As noções de pós-verdade, fake news e fatos alternativos são diretamente citadas e os vilões fabricam notícias falsas e atentados terroristas que nunca aconteceram (tal qual fez o governo Trump ao usar o inexistente "massacre de Bowling Green" para justificar algumas de suas políticas em relação aos muçulmanos) de modo a fomentar o medo e o preconceito na população e aprovar políticas que favorecem apenas os mais ricos. A sensação, tal qual no mundo real, é a de estar enfrentando algo impossível de derrotar, já que ele e seus apoiadores simplesmente dobram a verdade como bem entendem para conseguir o que querem. Isso contribui para ampliar a tensão dessa segunda metade da temporada e a sensação de um risco bastante palpável. O líder da conspiração é mostrado como um sujeito de grande segurança, que costuma se gabar da própria inteligência, mas ao final se revela como alguém mesquinho, ególatra, vaidoso e covarde que não tem a mínima consideração ou respeito pelo poder e cargo que possui.

A segunda temporada de Quantico continua a exibir uma competente construção de intriga e suspense, entregando personagens ambíguos e uma trama cheia de surpresas e reviravoltas que ganha força ao tecer uma crítica em relação ao atual clima político dos Estados Unidos. Espero, porém, que uma próxima temporada não continue a insistir no formato intercalado entre uma trama presente e flashbacks da protagonista em um treinamento qualquer, já que não parece haver muito mais a extrair dessa estrutura.


Nota: 7/10

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