Blade Runner: O Caçador de Androides (1982) não era um filme que
requisitava uma continuação. Considerando que é uma obra incrivelmente
influente, tendo inspirado (estética e tematicamente) do mangá (e anime) Ghost in the Shell (1995) e filmes como Estranhos Prazeres (1995), Gattaca (1997) ou Cidade das Sombras (1998), era de se imaginar que talvez as
possibilidades para um novo filme já tivessem sido exploradas e esgotadas.
Felizmente esse Blade Runner 2049 é
perfeitamente capaz de ampliar o que foi antes construído e ainda se manter
respeitoso ao original.
A narrativa é centrada em K (Ryan
Gosling), um novo e mais "dócil" modelo de replicante que trabalha
para a polícia de Los Angeles caçando antigos modelos rebeldes. Ele estava no
que deveria ser uma missão de rotina para capturar o replicante Sapper (Dave
Bautista), quando encontra enterrado na casa dele os restos mortais de uma
antiga replicante. A ossada traz sinais de que a replicante, apesar de ser uma
criatura sintética, estava grávida e provavelmente morreu no parto. A chefe de
K. a tenente Joshi (Robin Wright), fica preocupada com as implicações dessa
descoberta. Se os replicantes podem se reproduzir, eles então poderiam ser
considerados uma forma de vida autônoma e não meros produtos, criando assim uma
série de conflitos éticos na exploração de seu trabalho de maneira escrava. A
tenente ordena Joshi que descubra o que aconteceu com o suposto filho da
replicante e apague todas as evidências para evitar um conflito social. K, no
entanto, não é o único em busca desse filho perdido. O bilionário Wallace
(Jared Leto), que controla a produção de replicantes, também deseja
encontrá-lo, já que isso seria a chave para acelerar e baratear a criação de
novos replicantes.
Se o primeiro filme tratava dos
limites da humanidade e consciência, tentando entender o que tornava alguém um
indivíduo, esse aborda o que a humanidade faz quando confrontada com outra
espécie consciente. Negar a "humanidade" dos replicantes é uma
maneira de torná-los inferiores, menos importantes e autoriza que as pessoas o
submetam a coisas que não fariam com outro humano a quem consideram um
semelhante.
Ao tratar os replicantes como
"outros" basicamente a sociedade do filme considera que suas vidas,
suas vontades não importam, eles podem ser escravizados, oprimidos e
exterminados sem preocupações éticas ou morais porque não possuem o mesmo
estatuto de igualdade. Desta maneira, o universo e a trama do filme servem como
uma metáfora que permite entender as bases ideológicas e retóricas do
prenconceito, do racismo, da xenofobia e do ódio a qualquer categoria concebida
como sendo diferente.
O processo de
"humanização" desses seres sintéticos é perfeitamente ilustrado pela
performance de Ryan Gosling. Se no início o personagem é rígido e impassível
permitindo que o percebamos como replicante mesmo antes que alguém mencione
isso. Aos poucos, conforme ele vai se confrontando com o que a reprodução
significa para sua espécie e passa a considerar que suas memórias podem ser
reais e não implantes, ele vai se expressando com maior naturalidade e se torna
mais "humano".
A transformação dele também se dá
em um nível afetivo. A relação com sua namorada holográfica Joi (Ana de Armas)
parece lhe bastar no início e ele a considera tão real quanto qualquer pessoa
ou replicante. Conforme a trama avança, as limitações dela vão surgindo, em
especial na ausência de contato físico. Isso é melhor simbolizado na cena em
que Joi chama a garota de programa (ou melhor, replicante de programa) Mariette
(Mackenzie Davies) para poder transar com K, sobrepondo sua imagem holográfica
ao corpo da garota com os efeitos especiais misturando digitalmente os traços
faciais das duas atrizes. É como se tudo fosse fazendo K perceber a
artificialidade daquela relação. Isso fica evidente para o personagem quando
ele interage com uma publicidade de Joi e essa outra versão de Joi lhe dá o
mesmo apelido que a sua Joi lhe deu, deixando claro que o que ele tinha era um
programa desprovido de identidade e seguindo um roteiro. Dizer mais sobre o
arco de K seria estragar a experiência, mas Gosling trabalha muito bem para
fazer o público sentir as dores, confusões e frustrações do personagem conforme
ele anseia em descobrir mais sobre si mesmo e busca uma experiência afetiva real.
A atriz Ana de Armas é ótima em
evocar a natureza sedutora de Joi, um ser que existe meramente para agradar seu
mestre lhe dando uma falsa sensação de conforto emocional, embora ela também tenha o desejo de ser "real". O trabalho dela
torna crível o fato de K se sentir tão ligado a Joi e deixe de lado outras
possibilidades de relacionamento. Por sua vez, Jared Leto consegue usar sua persona de "Jesus hipster" em
favor de seu personagem, um brilhante cientista com complexo de deus,
conferindo a ele uma megalomania tão genuína que evita cair na caricatura. O
cientista vivido por Leto também simboliza o progresso desmedido, que não se
importa com ética ou moral para o desenvolvimento científico e vê como
necessária a exploração e escravização dos replicantes para o progresso da
humanidade.
A trama tem o cuidado de deixar
as situações se desenvolverem e fazer os personagens sentirem as consequências
dos eventos, pode parecer lento para alguns, mas mesmo com a longa duração
(pouco mais de duas horas e quarenta minutos) nada parece desnecessário ou
excessivo para o que o filme quer transmitir. O início tem um pouco de excesso
de explicações para situar o público no que aconteceu neste universo nos 30
anos que separam o 2019 do primeiro com o momento em que a trama deste se
passa. O conhecimento do primeiro, por sinal, é relativamente importante aqui,
já que muito do que acontece tem relação com a história de Deckard (Harrison
Ford). Falando nele, o roteiro é inteligente em não responder perguntas sobre a
natureza de Deckard que foram levantadas no filme anterior, pois dar uma resposta
definitiva a isso iria de encontro às ideias da própria obra de que a noção de
humanidade não é meramente biológica.
Fazia tempo que um filme não me
arrebatava com seus visuais como aconteceu aqui. Tudo soa como uma evolução
natural do que tinha sido concebido no primeiro filme e ainda assim bastante
novo e singular. As cidades e seus letreiros holográficos em diferentes dão o
tom de um espaço cosmopolita e globalizado. As cores vivas dos letreiros e
hologramas publicitários contrastam com as ruas escuras e de aparência
relativamente decadente. As matizes intensas de laranja de um deserto nuclear
ajudam a transmitir a sensação de calor e opressão desse espaço, concebendo-o
como um local hostil e pouco habitável. Os tons de cinza do céu e do solo nas
incursões de K a um grande ferro velho ou à casa de Sapper (Dave Bautista)
comunicam a devastação ambiental que assola esse universo e tornou tudo estéril
sem que ninguém precise dizer uma palavra. Os corredores dourados da empresa de
Wallace misturam uma estética de laboratório e templo religioso (reparem como
os reflexos da água envolvem o personagem como um halo de luz), sendo um
reflexo preciso da personalidade do cientista. O universo retratado aqui soa
como vivo, maior que seus personagens e que existe a despeito deles, e não como
um mero pano de fundo para suas ações.
Blade Runner 2049 acaba sendo muito melhor do que se imaginava que
seria e uma das melhores continuações já feitas. Leva a estética e ideias do
original a novos patamares, ampliando e aprofundando seus elementos sem deixar
de respeitar e reverenciar o que veio antes. É um filme povoado por personagens
ricos, questionamentos instigantes e visuais deslumbrantes.
Nota: 10/10
Trailer
O elenco do filme faz um ótimo trabalho. Ryan Gosling é um homem muito carismático e Professional, se entrega a cada um dos seus projetos. Em trailer Blade Runner 2 amei tudo, faz um ótimo trabalho, fiquei emocionada, fez uma atuação maravilhosa, o filme tem uma grande historia e acho que o papel que ele interpreta caiu como uma luva, sem dúvida vou ver este filme novamente.
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