terça-feira, 17 de outubro de 2017

Crítica - Doentes de Amor

Análise  Doentes de Amor


Review  Doentes de Amor
Doentes de Amor podia facilmente se tornar um dramalhão trágico. Afinal, trata-se da história de um sujeito que conhece a mulher de sonhos e pouco tempo depois ela entra em coma. Tinha tudo para ser contado da maneira mais chorosa e apelativa possível, mas o texto do comediante Kumail Nanjiani e sua esposa Emily, que escreveram o filme a partir da história real de seu relacionamento, consegue ter sensibilidade o bastante para perceber a seriedade e contorno trágico da situação sem esquecer da leveza e bom humor.

A trama acompanha Kumail (Kumail Nanjiani), um jovem comediante de origem paquistanesa que tenta fazer sua carreira deslanchar. Sua família não vê com bons olhos sua escolha de carreira e sua mãe tenta a qualquer custo fazer um casamento arranjado para ele, mas Kumail não tem muito interesse na prática. As coisas se complicam quando ele conhece Emily (Zoe Kazan) e os dois começam a se relacionar. Ele esconde da família que está namorando uma mulher branca, já que seus familiares cortariam relações com ele, e também não conta a Emily que sua mãe está tentando arranjar um casamento para ele. As coisas se complicam quando Emily fica doente e precisa ser internada, sendo colocada em coma induzido. Como o estado dela era grave, Kumail acaba ligando para os pais dela e assim conhece os sogros, Terry (Ray Romano) e Beth (Holly Hunter).


Seria chover no molhado falar do trabalho de Kumail Nanjiani visto que ele praticamente interpreta a si mesmo, ainda que certamente tenha tomado liberdades criativas com a própria história. Ele evoca com habilidade seu senso de "não pertencimento", sentindo-se deslocado em relação às tradições de sua família, mas ao mesmo tempo temendo abraçar seu relacionamento com Emily e se afastar por completo dos parentes. Zoe Kazan, por sua vez, é adorável e encantadora como Emily e isso é importante para que sintamos o peso e a gravidade de quando ela fica doente, já que ficamos investidos nela e em sua relação com Kumail.

Tudo bem que em certo nível sabemos que ela irá sobreviver, afinal é baseado em uma história real e Emily e Kumail estão hoje casados, mas a jornada pessoal e afetiva desses personagens é tão bem construída que o fato de sabermos como isso acaba se torna pouco importante. Há também o desenvolvimento da relação de Kumail com os sogros recheada de momentos de conexão emocional e também de riso com o filme transitando entre drama e comédia com muita naturalidade. Os diálogos de Kumail com os sogros rendem algumas das melhores cenas. Da pergunta "O que você acha do 11 de setembro?" feita por Terry quando Kumail senta para almoçar com ele à reação de Beth ao ver Kumail sendo importunado por um espectador durante seu stand up, o filme é recheado de momentos inesperadamente hilários.

Ray Romano e Holly Hunter são excelentes como os pais de Emily e é possível perceber o afeto deles pela filha em cada pequeno gesto, como a maneira que Beth segura e cheira um casaco de Emily ao entrar em seu apartamento pela primeira. É um instante breve e singelo, que o filme inteligentemente não chama demasiada atenção para não interferir em sua naturalidade e delicadeza, mas que denota o sentimento da personagem. O mesmo acontece na resposta rápida "isso não é algo para dizer na frente de seu  pai" que Terry humoradamente dá ao ouvir Emily dizer que a comida do hospital tem gosto de sêmen.

Esse olhar para pequenos detalhes, gestos e falas ajuda também a dar camadas a personagens com pouco tempo de tela. Seria fácil tornar os pais de Kumail em antagonistas superficiais, mas o filme deixa claro o afeto e preocupação que eles tem com o filho. Algo que fica evidente na última cena de Kumail com o pai, na qual ele avisa ao filho que ele foi banido para sempre da família, mas pede que Kumail ligue para dizer que chegou bem em Nova Iorque. A atriz Vella Lovell (da série Crazy Ex-Girlfriend) também tem uma boa cena como uma das noivas em potencial de Kumail, chamando a atenção do protagonista para as falsas expectativas  que ele cria nas garotas que sua mãe leva para casa e a covardia dele em não falar para a família como se sente.

Confesso que não esperava essa sensibilidade e delicadeza dor diretor Michael Showalter, mais habituado a comédias escrachadas como Mais um Verão Americano (2001) e suas séries derivadas, mas aqui ele se mostra habilitado a lidar com um material de mais peso emocional. Inesperado é exatamente a palavra para definir o quanto Doentes de Amor funciona bem em sua equilibrada mistura agridoce de drama e comédia ao contar uma história de amor bem diferente.


Nota: 9/10

Trailer

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