Com Entre Irmãs o diretor Breno Silveira (de Gonzaga: De Pai Para Filho e Dois
Filhos de Francisco) ambiciona ser um grande épico sobre relações
familiares e a formação da sociedade brasileira. Da duração do filme à música
sempre presente e em alto volume tudo evoca grandiosidade, mas não deixa de ser
curioso que os momentos em que tudo realmente funciona se dão quando a obra
deixa essa pretensa grandiosidade de lado e foca nas pequenas coisas do
cotidiano de suas duas protagonistas.
A narrativa é centrada nas irmãs
Luzia (Nanda Costa) e Emília (Marjorie Estiano), que vivem no interior
pernambucano nas primeiras décadas do século XX. As irmãs acabam separadas
quando o cangaceiro Carcará (Júlio Machado) leva Luzia à força para acompanhar
seu bando e Emília se casa com Degas (Romulo Estrela), um jovem abastado que
vive em Recife, e se muda com ele para a capital.
Já na primeira cena, com as
personagens ainda crianças, o filme estabelece as personalidades contrastantes
das irmãs. Luzia é destemida e resoluta, Emília é romântica e ingênua. Poderiam
ser personagens unidimensionais, mas Nanda Costa e Marjorie Estiano as
preenchem de sentimentos, dúvidas, conflitos e frustrações tão verdadeiras que
acreditamos nas personagens mesmo quando o texto deixa a desejar. Há uma grande
naturalidade na relação entre elas e as duas comunicam muito uma para outra
mesmo sem falarem diretamente.
Mesmo quando separadas, as duas
continuam excelentes ao evocar a dor e solidão que elas experimentam ao longo
de suas vidas. Pela interpretação de Nanda Costa é possível compreender o que a
atrai nela em Carcará, com Luzia reconhecendo nele o mesmo espírito indomável
em que vê em si. Marjorie Estiano, por sua vez, apresenta a mágoa e frustração
de Emília ao perceber que a vida na alta sociedade não é nada do que tinha
sonhado.
O pano de fundo do cangaço e do
governo Vargas (que é citado através de um político fictício) são usados com
inteligência para traçar paralelos com os dias atuais. Seria fácil reduzir a
questão a um maniqueísmo, com Luzia e os cangaceiros sendo reduzidos a vilões e
Emília e a classe média recifense vistos como bonzinhos. O filme exibe com
cuidado o contexto de injustiças sociais que permitem a ascensão do cangaço
sem, no entanto, relativizar a violência e brutalidade perpetrada por eles. Do
mesmo modo, ao olhar para a família de Degas não se furta em expor a futilidade,
preconceitos e hipocrisia de uma elite conservadora que se julga superior, se
preocupa somente com as aparências e recorre a artifícios pseudocientíficos (a
Frenologia já foi formalmente rejeitada enquanto ciência faz tempo) para
justificar preconceitos que persistem até hoje.
O principal problema, porém, é a
maneira pouco sutil com a qual o filme vai construindo suas ideias e temas.
Logo no início a tia das protagonistas lhes diz "tudo que vocês tem é uma
a outra", mastigando de maneira pouco orgânica o tema principal do filme.
Em outro momento, Emília confessa seus problemas conjugais para sua amiga
Lindalva (Letícia Colin) e amiga aponta o quão trágico é o fato de alguém tão
romântica quanto Emília ser infeliz no casamento, explicando de maneira óbvia o
conflito da protagonista como se o público fosse incapaz de perceber isso por
conta própria. A falta de sutileza também torna algumas reviravoltas óbvias
demais. A narrativa chama tanta atenção para o fato de Degas não beijar Emília
na boca durante a cerimônia de casamento que se torna evidente o segredo que
ele esconde. Quando Emília finalmente o descobre lá pela metade do filme, a
revelação perde todo o impacto porque tudo tinha sido telegrafado claramente
muito tempo atrás.
Essa falta de sutileza também se
verifica no uso da música. Sempre presente de modo excessivamente intrusivo e
recorrendo constantemente a acordes chorosos de instrumentos de corda, a música
acaba soando manipulativa demais principalmente diante das interpretações
poderosas de Costa e Estiano. Com atrizes tão competentes a música não
precisava chamar tanta atenção para si e mais parece que ela está competindo
com as performances, querendo ser mais grandiosa e imponente que os sentimento
das personagens, do que dialogando com elas.
Atrapalha também o fato da trama
não saber quando terminar. O ápice emocional já é atingido no reencontro das
duas irmãs, mas ainda assim o filme escolhe continuar sua história. A partir
daí acrescenta mais epílogos do que o final de O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei (2003), dando a vários
personagens secundário um desfecho só seu e encerrando esses arcos com uma
torrente de diálogos explicativos que martelam de maneira óbvia o tema de cada
um deles.
Entre Irmãs acaba se sustentando mesmo pela força das performances
de suas protagonistas e o modo como usa seu cenário de época para compreender a
sociedade brasileira. Nesse sentido é uma pena que o filme fique tão
impressionado com sua própria grandiosidade que acabe perdendo de vista suas
principais virtudes.
Nota: 7/10
Trailer
Nenhum comentário:
Postar um comentário