Thor: Ragnarok é provavelmente o melhor dos três filmes solo do
deus do trovão da Marvel, mas, convenhamos, isso não é lá um grande feito. O
elemento principal que eleva este filme em relação aos dois outros é que pelo
menos há uma visão bem clara e singular sendo transmitida ainda que talvez não
seja a mais adequada ao material.
A trama começa com Thor (Chris
Hemsworth) enfrentando Surtur (Clancy Brown) para impedir o Ragnarok, o fim de
Asgard. Ele retorna a Asgard para guardar a coroa de Surtur, mas descobre que
Loki (Tom Hiddleston) tomou o lugar de Odin (Anthony Hopkins), que foi banido
para a Terra. A ausência de Odin permite que a deusa da morte Hela (Cate
Blanchett) saia de sua prisão e ataque Asgard. Na luta contra Hela, Thor acaba
sendo jogado para longe de Asgard e vai parar no selvagem planeta Sakaar, sendo
capturado e obrigado a lutar como gladiador na arena do Grãomestre (Jeff
Goldblum). Quando Thor descobre que o principal campeão do lugar é o Hulk (Mark
Ruffalo), percebe que há uma chance de escapar e retornar para Asgard.
Por essa breve sinopse já dá para
perceber que o filme tenta conciliar a trama do Ragnarok com uma espécie de
"adaptação light" do arco
Planeta Hulk dos quadrinhos. Que a película pareça mais interessada e passe
mais tempo no segundo do que o primeiro é um problema. O segmento em Sakaar é a
melhor coisa do filme? Sem dúvida. Por outro lado ele não tem quase relação
nenhuma com o restante da trama sobre o Ragnarok, que poderia ser contada sem
precisar enfiar outro grande arco dos quadrinhos no meio.
A trama sugere uma narrativa
sobre o fim do mundo, sobre seu herói ser confrontado com seus piores pesadelos,
mas curiosamente não há qualquer sensação de urgência, perigo ou peso
dramático. Isso porque, assim como no fraco Homem
de Ferro 3 (2013), o filme insiste em enfiar piadinhas em toda e qualquer
cena, sabotando todas as tentativas de qualquer construção dramática que nos
faça criar uma conexão com os personagens. Um exemplo é a cena em que Thor se ajoelha
para orar pela morte de Odin, um momento que deveria dar ao personagem e o
público o tempo para sentirmos o peso da morte de alguém importante, mas a cena
é abruptamente interrompida e sabotada por uma gag do Thor jogando pedrinha no
holograma do Loki. O mesmo pode ser dito da cena entre Loki e Thor no elevador,
um momento agridoce entre os dois personagens no qual eles reconhecem a
admiração que tem um pelo outro ainda que percebam que sempre serão inimigos de
alguma maneira, mas o valor emocional é literalmente arremessado para longe
quando Thor joga Loki em cima de um guarda.
Até mesmo os dois Guardiões da Galáxia, filmes com um
claro viés cômico, são espertos o suficiente para dar um tempo nas piadas e
abrir espaço para que consigamos nos conectar com o drama dos personagens e
seus problemas. Tanto o primeiro quanto o segundo entregam vários momentos de
emoção genuína (a cena do "Nós somos
Groot" no primeiro, por exemplo), mas esse tipo de construção
dramática está completamente ausente de Thor
Ragnarok. Aqui os personagens não tem qualquer arco de desenvolvimento, não
passam por nenhuma mudança ou aprendizado, eles existem tão somente para
servirem de punchlines de piadas. O
diretor Taika Waititi é um ótimo comediante, vide o excelente e pouco visto O Que Fazemos nas Sombras (2014), mas sua
sensibilidade cômica soa equivocada para um trama tão evocativa de morte e
destruição.
A Valquíria (Tessa Thompson) é a
única que tem algum tipo de percurso narrativo ao apresentar sua jornada de
trauma e redenção. Thompson é ótima em fazer dela alguém que claramente se
perdeu, mas insiste em fugir de seus temores ao invés de confrontá-los. Mesmo
sem ter um arco que seja interessante, Chris Hemsworth é bem carismático como
Thor e tem uma ótima química com o Hulk/Bruce Banner de Mark Ruffalo, sendo as
cenas envolvendo os dois sendo as mais divertidas do filme. Tom Hiddleston a
essa altura poderia interpretar Loki até dormindo, mas também é carismático o
suficiente para entreter, ainda que Loki seja mais uma escada para piadas do
que o sujeito perigoso e ardiloso dos demais filmes.
Cate Blanchett devora o cenário
como Hela, sendo eficiente ao evocar a fúria, poder, imponência e apetite
destrutivo da deusa da morte. A competência da atriz, por outro lado, torna
lamentável que a vilã tenha tão pouco tempo de tela (como já disse o filme está
mais interessado em Sakaar do que em Asgard) e suas complicadas relações
familiares com Thor e Odin sejam abordadas de modo tão superficial. Karl Urban,
por sua vez, acaba desperdiçado como Skurge, em especial pelo fato do filme não
se decidir entre fazer dele um vilão ou deixá-lo como um mero alívio cômico
para a vilania de Hela e o personagem entra e sai do filme sem dizer a que
veio.
Com um claro interesse maior nos
eventos de Sakaar, o planeta dos gladiadores é talvez o ambiente mais
interessante de todos os três filmes do Thor. Com uma intensa e variada paleta
de cores e uma estética e arquitetura que exibe uma mistura entre futurismo e
breguice retrô, o planeta remete a aventuras espaciais oitentistas como Mestres do Universo (1987) ou Flash Gordon (1980). Os efeitos visuais
que criam o Hulk tornam essa versão a mais expressiva e crível do gigante
esmeralda até então e outros personagens digitais são igualmente bem concebidos
como o gladiador de pedra Korg (Taika Waititi). Isso sem mencionar toda a cena
do flashback da Valquíria, tão boa
que dá vontade de emoldurar vários planos e pendurar na parede. As cenas de
ação acertam ao finalmente explorarem a extensão das habilidades elétricas do
Thor, já que até então elas apareciam pouco em relação aos poderes do martelo.
Thor Ragnarok acaba sendo uma aventura divertida que traz um
frescor criativo ao personagem, mas sua insistência na comédia a todo momento
acaba sabotando a construção de sua trama sobre morte e renovação.
Nota: 6/10
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