terça-feira, 7 de novembro de 2017

Crítica - Alias Grace

Resenha Crítica - Alias Grace


Análise Crítica - Alias GraceCom o sucesso da excelente The Handmaid's Tale, que fez a limpa na entrega dos prêmios Emmy (maior premiação da televisão dos Estados Unidos), era de se imaginar que a indústria fosse correr para adaptar outras obras da escritora Margaret Atwood. Este Alias Grace, minissérie original da Netflix, adapta o romance homônimo de Atwood e é um trabalho competente de reconstrução histórica para falar do lugar da mulher na sociedade do século XIX e como muito disso ainda permanece nos tempos atuais.

A trama é levemente baseada no caso real de Grace Marks (Sarah Gadon, da minissérie 11.22.63) uma imigrante irlandesa que vivia no Canadá e trabalhava como criada. Em 1843 Grace foi presa e condenada pelo suposto assassinato de seu patrão, Thomas Kinnear (Paul Gross), e da governanta da casa, Nancy Montgomery (Anna Paquin). Dez anos depois de sua condenação algumas pessoas ainda acreditam em sua inocência e o médico Simon Jordan (Edward Holocroft) é chamado para fazer uma avaliação do estado mental de Grace, que diz não conseguir se lembrar de nada ocorrido no dia do crime.

Os seis episódios se estruturam ao redor das sessões entre Simon e Grace na qual o médico pede que ela conte a ele sua história na esperança que esse diálogo gradual permita que ela se abra com ele e explore suas memórias reprimidas. A estrutura rígida das entrevistas ocasionalmente acaba se tornando um pouco repetitiva, mas a natureza instigante do mistério investigado, bem como a qualidade da reconstrução do contexto histórico e a ambiguidade de Grace conseguem manter nossa atenção.

A trama está tão interessada no mistério ao redor de Grace quanto nas condições de vida da mulher, em especial as mulheres de classe baixa e em posições servis (tal como em The Handmaid's Tale, diga-se de passagem) e como elas eram praticamente tratadas como coisas e não seres humanos. Uma mulher era algo descartável, facilmente substituível. Quando o raivoso e alcoólatra pai de Grace diz que ela deve arrumar um emprego, a protagonista pergunta quem cuidará da casa na ausência dela e ele prontamente responde que a tarefa ficará por conta de sua irmã mais nova, que não passa de uma criança, como se esse tipo de atividade fosse biologicamente natural para uma mulher.

Do mesmo modo, ao trabalhar em casas de famílias abastadas Grace percebe que as criadas são tratadas como parte das posses da família, instrumentos inanimados que não são vistos, ouvidos e não tem vontade própria. Elas e seus corpos estão ali para ser usados, inclusive sexualmente, pelos proprietários das casas, podendo ser facilmente descartados no instante que esses homens perdem o interesse. Isso fica evidente no arco de Mary (Rebecca Liddiard), que ao ser engravidada pelo filho de sua patroa é dita por ele para cometer suicídio como se sua vida fosse descartável. A trama deixa claro que mesmo que independente de viver ou morrer, Mary seria estigmatizada pela sociedade da época, sendo demitida de seu emprego e tendo dificuldade para conseguir outro, imputando apenas nela, e não no homem que a engravidou, a culpa e responsabilidade pelo filho indesejado.

A trama aborda também como as mulheres são sexualizadas mais cedo que homens, algo que transparece na conversa entre Grace e Jamie (Stephen Joffe). No diálogo, Jamie pede Grace em casamento e ela recusa dizendo que ele é jovem demais, ao passo que Jamie retruca que a diferença entre eles não é mais de dois anos. Em resposta Grace reconhece o tratamento desigual dado a homens e mulheres em sua sociedade (e de certa forma na contemporânea também) ao dizer que moças de 15 ou 16 anos já são consideradas mulheres enquanto os rapazes da mesma idade ainda são tratados como garotos.

Toda essa discussão sobre a imagem socialmente construída da mulher é ancorada pela protagonista fascinante que é Grace. Sarah Gadon faz dela um grande enigma no qual é difícil penetrar plenamente. Serena e impassível conforme narra sua vida para Simon, nunca temos certeza se sua postura é de alguém que se resignou com as injustiças que sofrera e tenta sobreviver da melhor maneira possível ou se ela é uma criminosa fria e sem escrúpulos que diz exatamente o que seu interlocutor quer ouvir. A ambiguidade da personagem se amplia conforme as imagens são contrapostas com suas narrações, nas quais fica evidente que a protagonista está ocultando informações de Simon. Estaria ela fazendo isso para se proteger ou para manipular Simon?

Mesmo as confissões feitas por Grace durante a sessão de hipnose podem ser questionadas. Afinal, ela já tinha conhecimento sobre como esse tipo de coisa funcionava graças a conversas que teve com o mercador Jeremiah (Zachary Levi), então é perfeitamente possível que tudo aquilo possa ser fingimento. A trama, por sinal, evita respostas definitivas e deixa muito em aberto para o público, sendo possível ter interpretações diferentes sobre os personagens a cada nova assistida. Para a narrativa importa menos se Grace cometeu ou não o crime e sim as circunstâncias de violência, brutalidade e silenciamento com as quais teve que conviver em toda sua vida. Se ela conseguiu sobreviver à opressão enquanto que outras, como Mary, sucumbiram foi justamente pela via da violência (independente dela ter sido ou não a autora) já que outras mulheres, como mostrado ao longo da série, tentaram por outros meios e fracassaram.

Desta maneira Alias Grace se revela uma instigante e enigmática trama sobre crime e a posição da mulher na sociedade.


Nota: 8/10

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