Não sei exatamente explicar o
motivo, mas algo em Arábia me fez
lembrar de Vidas Secas, tanto o
romance de Graciliano Ramos quanto a adaptação para o cinema de 1963 de Nelson
Pereira dos Santos. Talvez seja nos títulos, ambos remetendo a uma aridez
hostil. Talvez seja nas jornadas de ambos protagonistas, homens brutos,
endurecidos por uma vida difícil, em constante trânsito em busca de trabalho.
Talvez seja o senso de que esses personagens andam em círculos e nada irá
melhorar para eles. De todo modo, Arábia
é um retrato do cotidiano do trabalhador brasileiro tal como Vidas Secas fora, guardadas as devidas
proporções, claro.
A trama começa acompanhando André
(Murilo Caliari) um jovem que mora com o irmão mais novo no interior de Ouro
Preto. Seus pais estão sempre viajando, mas ele é ajudado pela tia que trabalha
como enfermeira em uma fábrica próxima. Um dia sua tia precisa cuidar de um
operário que teve um acidente, Cristiano (Aristides de Souza), e pede a André
que vá até a casa do operário para pegar algumas roupas. Lá André encontra um
caderno com anotações de Cristiano no qual ele relata sua vida e o filme passa
a seguir a história do operário.
Não deixa de ser curioso que o
relato de Cristiano seja quase todo focado em descrever sua busca por emprego
ou suas atividades no trabalho como se praticamente não houvesse espaço para
mais nada em sua vida. Isso fica evidente no longo e divertido diálogo entre ele e um
colega de trabalho no qual eles discutem quais cargas são mais fáceis ou
difíceis de carregar.
Mesmo quando ele tenta construir
um relacionamento afetivo, ele erode sob sua incapacidade de externar seus
sentimentos, uma consequência não só de sua vida difícil, mas também do fato de
que até então ele nunca tinha refletido sobre seus sentimentos. É como se ele
tivesse passado seu tempo mais preocupado em satisfazer necessidades mais
urgentes como ter um emprego, ter o que comer, e nunca tivesse pensado em suas
necessidades afetivas ou de outra ordem qualquer. Nesse sentido as narrações do
personagem são importantes para permitir que o público penetre na superfície
dura e insondável de Cristiano, oferecendo um vislumbre do que se passava em
sua mente e que ele era incapaz de externar. A narração que encerra o filme,
por sinal, evidencia que o personagem finalmente se deu conta de sua condição
de alienação, isolamento e estagnação, com o filme sendo inteligente ao não
oferecer soluções fáceis.
Pelo tempo que o início do filme
dedica a André, seu irmão mais novo e sua tia, era de se imaginar que o
desfecho fosse oferecer a eles algum senso de fechamento, mas exceto pela
narração de Cristiano no qual ele diz o que pensa de André esses personagens
não retornam. Assim não há um senso de que "valeu a pena" o longo
tempo inicial gasto com eles, ainda que tenham servido para dar essa estrutura
de "história dentro da história" que o filme visava construir.
De todo modo, Arábia é uma competente crônica sobre a
vida do trabalhador brasileiro e a dureza de suas condições.
Nota: 8/10
Esse texto faz parte de nossa cobertura do XIII Panorama Internacional Coisa de Cinema
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