A Universal alcançou bastante
sucesso com seus filmes de monstro na década de 30. Um traço em comum entre os
diferentes filmes era que seus monstros não se apresentavam como meras criaturas devoradoras de gente,
mas muitas vezes se construíam como figuras trágicas e incompreendidas que não
tinham culpa da própria condição. Esses filmes colocavam em questão o que torna
alguém maligno, se é algo inerente em sua natureza ou se o contexto de sua vida
e criação. Os diretores Marco Dutra e Juliana Rojas parecem entender bem os
elementos que tornam filmes de monstro interessantes neste As Boas Maneiras, dialogando constantemente com as tradições deste
tipo de filme.
A trama é centrada em Clara
(Isabel Zuaa), que é contratada para cuidar da grávida Ana (Marjorie Estiano).
Ana mora sozinha em um enorme apartamento situado na área nobre de São Paulo,
mas é bastante solitária e acaba desenvolvendo uma dependência em relação a
Clara. Aos poucos a empregada começa a testemunhar ocorrências estranhas
envolvendo a patroa e suspeita que haja algo muito errado envolvendo ela e sua
gravidez.
Falar mais seria dar spoilers e estragaria a experiência de
quem assiste, mas trama é cheia de surpresas inesperadas que mudam seu rumo e
constantemente transitam entre diferentes gêneros narrativos, inclusive o
musical (Rojas já tinha dirigido o esquisito e divertido musical Sinfonia da Necrópole). Tudo isso é
conduzido de maneira bastante orgânica e coerente com o desenvolvimento da
trama e por mais que você seja pego desprevenido pelas reviravoltas elas nunca
soam como algo desonesto ou que te faça se perguntar "como as coisas foram
por esse caminho?".
Como muitos bons filmes de
terror, começa com uma situação aparentemente banal e aos poucos vai dando
pequenas pistas de que há algo errado até que o sangue e a morte irrompam. O
hábito de Ana só comprar carne, o fato dela parecer completamente apavorada
toda vez que vai ao médico checar o estado de sua gravidez, o fato de pessoas
que ela conhece a evitarem na rua. Tudo isso vai nos deixando intrigados e
criando o suspense se Ana é simplesmente uma garota mimada e insegura com sua
solidão ou se ela guarda segredos mais sombrios.
O filme dialoga constantemente
com as convenções desse tipo de história, muitas vezes apresentando releituras
de elementos familiares, como a cena final envolvendo uma multidão que remete
às tomadas de aldeões caminhando em direção à casa do monstro com tochas e
forcados na mão ou a fala do médico durante o ultrassom de Ana que brinca com o
diálogo "olhos grandes, boca grande" da fábula da Chapeuzinho
Vermelho.
Marjorie Estiano, que vem
entregando performances sólidas em praticamente todos os filmes que vem fazendo
(como o recente Entre Irmãs), é ótima
ao evocar a vulnerabilidade e solidão Ana, bem como o horror ao se dar conta do
que vem acontecendo com ela. Do mesmo modo, Isabel Zuaa é bastante envolvente
ao trazer o misto de terror e compaixão experimentado por Clara, que se mantêm
próxima apesar do evidente medo que sente quase que por pena.
Tecnicamente o filme impressiona
pela criação das criaturas, misturando maquiagem, próteses, animatrônicos e
computação gráfica para conceber monstros bem convincentes e sinistros. O filme
não economiza no sangue e algumas cenas são bem angustiantes, em especial o
momento em que a criatura começa a se mover na barriga de Ana, um instante de
horror corporal digno de filmes do David Cronenberg como A Mosca (1986).
As Boas Maneiras se mostra um excelente e esquisito filme de
terror que celebra as convenções do gênero ao mesmo tempo em que não tem medo
de levar seu espectador por caminhos pouco usuais.
Nota: 9/10
Esse texto faz parte de nossa cobertura do XIII Panorama Internacional Coisa de Cinema
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