Antes de mais nada preciso deixar
claro que conheço o diretor Guilherme Sarmiento há algum tempo. Já participei
de alguns projetos com ele e já assinamos alguns artigos juntos, então é
provável que eu não esteja sendo completamente imparcial ao falar de seu longa Diário da Greve. Ainda assim, é um filme
que traz provocações interessantes.
O longa começa como uma espécie
de registro/manifesto sobre a longuíssima greve da Universidade Federal do
Recôncavo da Bahia (UFRB) em 2015 que se estendeu por longos quatro meses e
trouxe pouquíssimos ganhos para a categoria. Munido apenas com um celular, o
diretor passa a registrar seu cotidiano e também a explicar suas decisões
estéticas a partir dos conceitos teóricos que explicam a noção de "cinema
de garagem".
O que começa como um registro
excessivamente didático do movimento grevista e de conceitos-chave de teoria
cinematográfica contemporânea, vai aos poucos se transformando em outra coisa
conforme a greve se estende, o tédio começa a se instaurar na vida dos personagens
registrados assim como a impressão de que a greve pode não dar os resultados
esperados.
O filme começa então a virar do
avesso suas próprias premissas e com uma postura autofágica se propõe a
questionar o que estabelece inicialmente. Nesse sentido, Diário da Greve acaba entrando no terreno do filme-ensaio ou da
autoficção. Com uma boa dose de humor e senso de absurdo, o filme passa a
repensar a eficácia daquela greve específica, a questionar até que ponto esse
tipo de "cinema militante" é capaz de produzir alguma mudança real e
a parodiar um modelo bastante difundido de registro documental (é um filme de
garagem literalmente feito na garagem).
Com um impulso que se aproxima do
senso de esculhambação das chanchadas brasileiras dos anos 50, nada
passa incólume à crítica nem mesmo o próprio diretor. O filme embarca em uma
trama que começa a flertar com o fantástico e o surreal, principalmente quando
se aproxima do clímax do conflito entre o diretor e um vizinho que aparentemente o
hostiliza por suas posturas políticas. O desfecho disso remete a um romance do
Saramago ou um conto de Dostoievski (dizer quais seria dar spoiler)
e é igualmente cômico e crítico.
Remetendo à máxima "Eu não
vim para explicar, eu vim para confundir", comumente atribuída ao
Chacrinha, Diário da Greve é uma
provocação bem humorada sobre o ato de fazer cinema e a manifestação política.
Nota: 8/10
Esse texto faz parte de nossa
cobertura do XIII Panorama Internacional Coisa de Cinema
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