sexta-feira, 10 de novembro de 2017

Crítica - Diário da Greve

Resenha Diário da Greve


Antes de mais nada preciso deixar claro que conheço o diretor Guilherme Sarmiento há algum tempo. Já participei de alguns projetos com ele e já assinamos alguns artigos juntos, então é provável que eu não esteja sendo completamente imparcial ao falar de seu longa Diário da Greve. Ainda assim, é um filme que traz provocações interessantes.

O longa começa como uma espécie de registro/manifesto sobre a longuíssima greve da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) em 2015 que se estendeu por longos quatro meses e trouxe pouquíssimos ganhos para a categoria. Munido apenas com um celular, o diretor passa a registrar seu cotidiano e também a explicar suas decisões estéticas a partir dos conceitos teóricos que explicam a noção de "cinema de garagem".

O que começa como um registro excessivamente didático do movimento grevista e de conceitos-chave de teoria cinematográfica contemporânea, vai aos poucos se transformando em outra coisa conforme a greve se estende, o tédio começa a se instaurar na vida dos personagens registrados assim como a impressão de que a greve pode não dar os resultados esperados.

O filme começa então a virar do avesso suas próprias premissas e com uma postura autofágica se propõe a questionar o que estabelece inicialmente. Nesse sentido, Diário da Greve acaba entrando no terreno do filme-ensaio ou da autoficção. Com uma boa dose de humor e senso de absurdo, o filme passa a repensar a eficácia daquela greve específica, a questionar até que ponto esse tipo de "cinema militante" é capaz de produzir alguma mudança real e a parodiar um modelo bastante difundido de registro documental (é um filme de garagem literalmente feito na garagem).

Com um impulso que se aproxima do senso de esculhambação das chanchadas brasileiras dos anos 50, nada passa incólume à crítica nem mesmo o próprio diretor. O filme embarca em uma trama que começa a flertar com o fantástico e o surreal, principalmente quando se aproxima do clímax do conflito entre o diretor e um vizinho que aparentemente o hostiliza por suas posturas políticas. O desfecho disso remete a um romance do Saramago ou um conto de Dostoievski (dizer quais seria dar spoiler) e é igualmente cômico e crítico.

Remetendo à máxima "Eu não vim para explicar, eu vim para confundir", comumente atribuída ao Chacrinha, Diário da Greve é uma provocação bem humorada sobre o ato de fazer cinema e a manifestação política.

Nota: 8/10


Esse texto faz parte de nossa cobertura do XIII Panorama Internacional Coisa de Cinema

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