O que exatamente leva alguém a
considerar um lugar como seu lar? Como se dá a construção dessa sensação de
"pertencimento"? Mais importante que isso, o que fazer quando se
torna impossível retonar a esse lar? Como um exilado lida com isso? São essas
perguntas que o documentário La Manuela,
dirigido por Clara Linhart.
O documentário acompanha a
jornada de Manuela Picq, professora e ativista franco-brasileira que é presa no
Equador durante um protesto de grupos indígenas. O governo equatoriano a acusa
de imigração irregular embora ela esteja no país há quase uma década
trabalhando como professora. Seus familiares e amigos começam a suspeitar que o
questionamento de seu status de
imigração pelo governo pode ser uma manobra política, tanto pelo envolvimento
de Manuela com o movimento indígena como pela sua relação amorosa com Carlos,
uma das principais lideranças do movimento.
A narrativa demora um pouco a
encontrar seu rumo e decidir que história quer contar a respeito do que ocorre
com Manuela. De início parece querer se debruçar sobre a família dela e sua
busca por informações, mas precisa repensar sua abordagem depois que Manuela é
solta e retorna ao Brasil depois de perder seu visto. A partir de então tenta
abordar a questão indígena do Equador, tenta trazer uma crítica à esquerda
latinoamericana que teria abandonado parte de suas agendas políticas para se
manter no poder. O filme passa muito rápido por questões políticas e ideológicas relativamente complicadas e com isso acaba simplificando muita coisa. A narrativa, no entanto, se "encontra" de fato quando decide se debruçar
sobre a própria Manuela e como ela se sente frente ao seu exílio e a
impossibilidade de retornar a um país que transformou em lar.
Em um desconcertante limbo, sem
saber ao certo se sua condição será revertida ou se dá prosseguimento à sua
vida e faz outros planos, o processo de Manuela em lidar com a impossibilidade
de retornar ao Equador é quase como um processo de luto. A protagonista parece
sempre deslocada, em falta de algo e por mais que ela tente seguir com sua vida
e espere que isso se reverta, com o passar do tempo ela vai se dando conta de
que não pode mais tratar a questão como temporária e começa a contemplar a
possibilidade de não retornar para o Equador e seu companheiro em um bom tempo.
O momento em que esse
entendimento parece atingir com mais força a personagem se dá justamente em uma
conversa com Carlos via internet próxima ao fim do filme. Com poucos cortes o
público acompanha as longuíssimas e angustiantes pausas e silêncios na fala de
cada um, como se dois se dessem conta de que seus planos não irão se realizar
em um futuro próximo, considerassem encerrar a relação, mas ao mesmo tempo não
querem ter que dizer isso em voz alta porque isso tornaria tudo real e
significaria se dar por vencido.
O filme traz uma sensação grande
de proximidade com a protagonista e essa impressão de intimidade não se dá
somente pela presença constante da câmera na casa de Manuela ou em momentos
dela com Carlos, mas pelo constante diálogo entre Manuela e a diretora que
evidencia a cumplicidade longeva que existe entre as duas amigas de infância.
Conhecemos Manuela não pelos olhos de uma estranha, mas através de alguém que a
conhece muito bem e isso acaba nos fazendo sentir igualmente próximos da
protagonista.
A despeito de uma certa demora em
decidir qual enquadramento será dado à questão, La Manuela se mostra um estudo cheio de afeto e melancolia sobre a
experiência de exílio, mostrando como os vínculos e sensações de pertencimento
a um lugar são estabelecidas.
Nota: 6/10
Esse texto faz parte de nossa cobertura do XIII Panorama Internacional Coisa de Cinema
Esse texto faz parte de nossa cobertura do XIII Panorama Internacional Coisa de Cinema
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