Narrativas policiais comumente
tratam do embate entre a razão e a violência. Westerns (ou faroestes) normalmente tratam sobre o embate entre o
homem e um ambiente selvagem, brutal, seja ele fruto da ação humana ou da
natureza. É possível perceber como podem existir interseções entre os dois e,
na prática, e Terra Selvagem opera
com essas duas coisas em mente. Funciona como um mash-up entre Millenium: Os
Homens Que Não Amavam as Mulheres (2011) e Onde os Fracos Não Tem Vez (2007) e ainda que não chegue no
altíssimo nível dos dois, consegue ser bastante competente.
A narrativa começa na reserva
indígena de Wind River (que dá o título original do filme) no interior gelado
do estado do Wyoming (o menos povoado dos Estados Unidos). O caçador Cory (Jeremy
Renner) encontra o cadáver de uma jovem descalça na neve e como a reserva é
terreno federal o FBI é chamado. A agente Jane (Elizabeth Olsen) examina o
local e suspeita de assassinato. Como não conhece o território, Jane decide
chamar Cory para ajudar na investigação com suas habilidades de seguir rastros.
As paisagens montanhosas e
nevadas são igualmente belas e perigosas. A neve esconde predadores como pumas
e sua imensidão fria é por si só um risco de vida para qualquer um que não
esteja adequadamente equipado para caminhar por suas paisagens ermas. Nesse
sentido, o ambiente é tal como o oeste selvagem dos faroestes, um lugar no qual
as pessoas não vivem, mas sobrevivem e só aqueles realmente aptos conseguem
superar seus perigos e intempéries. O diretor e roteirista Taylor Sheridan já
tinha abordado a marginalização da população indígena em seu roteiro para o
recente A Qualquer Custo, dirigido
por David Mackenzie.
A desolação do ambiente reflete
também a desolação nas vidas dos personagens. Quem vive ali ou deseja sair a
qualquer custo ou já teve a vida marcada por perdas e crime. Há um olhar crítico
sobre a estrutura governamental em torno das reservas indígenas, que tira os
nativos de suas terras e os empurra a zonas ermas que ninguém mais moraria,
largando-os para definhar em um ambiente sem recursos, sem assistência estatal
e praticamente sei lei. O letreiro final deixa claro, talvez de modo
excessivamente didático e pouco orgânico, o descaso governamental com as
reservas indígenas ao fornecer a informação de que ninguém compila ou analisa
os dados de desaparecimentos de mulheres indígenas.
Há um clima constante de
melancolia e fatalismo, como se aquelas pessoas já tivessem se resignado aos
seus destinos. Os protagonistas não buscam reverter o sistema, eles sabem que
não há como, eles apenas buscam o mínimo de reparação pelo crime que investigam.
Para Cory é uma chance de se redimir pelo que considera ter sido uma
negligência sua que levou à morte de sua filha anos atrás. Jane, por sua vez,
se mostra bem intencionada ao resolver tudo dentro da lei, mas aos poucos
percebe que a situação está além da sua capacidade.
Quando ela permite que Cory
persiga um dos culpados por conta própria no final ela sabe que está agindo à
margem da lei, do peso e das consequências de sua escolha, mas sabe também que
não há outra maneira. Do mesmo modo, Cory sabe que eliminar os responsáveis não
muda nada do que aconteceu com sua filha ou com a garota cuja morte investigam,
mas se ele entende que se não fizer nada tudo terminará em impunidade. O filme
é inteligente ao não celebrar a escolha dos personagens, mas a trata com certa
medida de pesar, como se aquilo representasse uma vitória da brutalidade e que
não há saída para o ciclo de violência. Nesse sentido remete ao pessimismo de Os Imperdoáveis (1992), no qual o
assassinato, mesmo quando pode ser justificado, não deixa de ser um ato
degradante e desumanizador.
Terra Selvagem se mostra uma competente e desoladora mistura entre western e narrativa policial ao tecer
uma trama que trata de sobrevivência e desespero em meio ao abandono e
violência.
Nota: 8/10
Trailer
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