Dois trabalhadores de um
matadouro descobrem que estão partilhando os mesmos sonhos e tentam descobrir o
que é que os aproxima. O drama húngaro Corpo
e Alma começa com retraída Maria (Alexandra Bórbely), uma mulher que
provavelmente se encontra no espectro do autismo, e Endre (Géza Morcsányi), o
administrador do matadouro, se dando conta de que ambos tem o mesmo sonho
recorrente com dois cervos em uma floresta congelada.
A narrativa demora um pouco a engrenar,
já que desde o início a montagem das imagens dos cervos sendo seguidas por
imagens alternadas do cotidiano dos dois personagens deixa evidente a relação
que há entre os três elementos. Ainda assim, o filme se arrasta até o momento
em que finalmente resolve estabelecer a conexão entre a dupla de protagonistas
e os animais.
O início também fica truncado por
conta dos excessos de subtramas e temas que o filme tenta retratar. Há uma
quantidade considerável de imagens mostrando o cotidiano do matadouro,
incluindo momentos bastante gráficos que mostram o abate dos bovinos e a
retirada das suas partes. Era de se imaginar que isso fosse ter alguma
repercussão no filme, que a trama fosse abordar a indústria bovina ou o
tratamento aos animais, mas nada disso está presente no restante do filme e
todo esse detalhamento não serve a propósito algum.
Do mesmo modo, toda a subtrama
entre Endre e um funcionário que ele acha desagradável também não tem muito a
acrescentar e não leva a lugar algum, já que o mistério de quem roubou a
empresa não é tão envolvente ou relevante assim (é um gatilho para que os
protagonistas descubram sobre os sonhos) e o sujeito some depois de resolvido o
desentendimento.
O filme ganha força, porém,
conforme começa a se deter na aproximação afetiva entre Maria e Endre, em
especial na dificuldade de Maria em tentar compreender seus próprios
sentimentos e como interagir com alguém de quem gosta. O filme é inteligente ao
evitar um excesso de didatismo explicando a personalidade de Maria, permitindo
que o público veja através da postura rígida e do modo impessoal de fala
adotado pela atriz Alexandra Bórbely que ela tem uma dificuldade de
sociabilidade. O roteiro também contribui para que a audiência perceba quem é a
personagem sem precisar escancarar tudo através das situações que cria, como
nas cenas em que ela "ensaia" com bonecos suas interações sociais
para o dia seguinte, suas conversas com o terapeuta ou o modo como observa as
pessoas na rua para poder reproduzir uma conduta "normal".
O desenvolvimento sentimental de
Maria é construído de modo bastante crível e cheio de sensibilidade,
acompanhado pelo trabalho da atriz que vai dando indicadores sutis do modo como
ela está ficando mais familiarizada com seus próprios sentimentos, como sua
expressão breve e contida de prazer ao fazer sexo pela primeira vez.
O desfecho, no entanto, é
prejudicado pelo modo como o filme lida com a questão do suicídio. A cena
mostra uma determinada personagem na banheira com seu rádio tocando uma música
romântica sofrida, quase que tornando a tentativa de suicídio em uma espécie de
ato romântico por não conseguir viver sem ser correspondida pela pessoa amada e
também denota que a existência daquela pessoa é algo subalterno e dependente da
presença de uma determinada pessoa em sua vida, o que é bem complicado.
Bem intencionado ao lidar com o
despertar sentimental de uma mulher no espectro do autismo, Corpo e Alma derrapa em uma série de
excessos narrativos que prejudicam o ritmo e algumas decisões em relação ao
final da trama.
Nota: 5/10
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