Desde pequenos somos ensinados a
tratar os outros como gostaríamos de sermos tratados, a não julgar a conduta
dos outros sem conhecê-las e sabermos o que realmente estão passando e a
valorizar as pessoas pelo que elas são e não por sua aparência. Extraordinário é um filme que visa nos
lembrar de todas essas coisas e, embora não reinvente a roda, cumpre seu papel
com muita sensibilidade.
A trama é protagonizada por
Auggie (Jacob Tremblay), um garoto que nasceu com vários problemas de saúde e
desde bebê precisou passar por várias cirurgias, deixando-o com o rosto
deformado. Por um bom tempo ele estudou em casa, sob a tutela de sua mãe,
Isabel (Julia Roberts), mas sua família acha que é hora dele ir para uma escola
de verdade e começar a interagir com outras crianças. Como era de se esperar, nem
todos os seus colegas o aceitam e ele começa a sofrer bullying.
É óbvio desde o início que
eventualmente Auggie eventualmente será aceito pelos colegas e todos aprenderão
valiosas lições de vida, mas sua força reside no modo como essa história é
contada. Dividido em capítulos que recontam os eventos da trama sob a
perspectiva de diferentes personagens, o filme constantemente solicita que
repensemos o que achávamos saber sobre os personagens. Se inicialmente Miranda
(Danielle Rose Russell) parece uma típica megera adolescente ao se afastar de
Via (Izabela Vidovic) por achar que ficou popular demais para continuar andando
com a antiga amiga, quando o filme adota a perspectiva de Miranda percebemos
que ela é uma garota triste e solitária que se afastou da amiga por conta de
uma mentira tola e que se arrepende do que fez.
Com essa estrutura o filme nos
faz perceber que nós, enquanto espectadores, fazíamos exatamente o que a trama
condena: estávamos julgando aqueles personagens sem conhecê-los ou saber das
dificuldades de suas vidas. Ao induzir o público a atentar para sua própria
conduta preconceituosa, a mensagem da narrativa ressoa ainda mais forte do que
se apenas exibisse a jornada de superação de Auggie. Seria fácil reduzir
pessoas como Miranda, Jack Will (Noah Jupe) ou mesmo o valentão Julian (Bryce
Geishar) a tipos maniqueístas e unidimensionais, mas ao constantemente revelar
o mundo sob o olhar deles, o filme os enriquece e permite que sejamos capazes
de compreendê-los melhor.
A trama evita mostrar Julian como
um mero garoto maligno, revelando que muito de sua conduta é meramente uma
reprodução das ações desprezíveis de seus pais em casa. O texto também evita endeusar
excessivamente os pais de Auggie, mostrando como o excesso de cuidados deles
com o menino os faz negligenciar sua outra filha, Via, que muitas vezes se
sente ignorada e solitária, tendo apenas a avó (Sônia Braga em uma participação
pequena, mas cheia de afeto) a quem confidenciar.
O garoto Jacob Tremblay, que já
tinha mostrado grande competência no excelente O Quarto de Jack (2015), faz de Auggie um garoto que se resignou a ser visto com repulsa, sempre com uma postura retraída e um olhar para baixo, evitando encarar seus interlocutores. É um garoto bastante vulnerável, que não
sabe como reagir às provocações de seus colegas, se tornando cada vez mais
fechado. Apesar da timidez, Auggie é um menino bem esperto e carismático, algo
que Jack Will e os outras crianças que começam a se aproximar dele rapidamente
percebe. Tremblay é excelente em retratar tanto o sofrimento quanto a alegria e
ingenuidade infantil do personagem, sendo difícil não se emocionar com ele.
O restante do elenco também traz
afeto e calor humano de um modo bem sincero, dos pais de Auggie vividos por
Julia Roberts e Owen Wilson, passando pelo professor Browne (Daveed Diggs) e o
diretor da escola, o Sr. Buzanfa (Mandy Patinkin), contribuindo para essa
impressão sobre a importância de cuidarmos uns dos outros. Apesar de muitos
momentos de emoção verdadeira, o filme ocasionalmente passa do ponto e pesa a
mão na tragédia só para tentar levar o espectador às lágrimas. O melhor exemplo
disso é o arco envolvendo a doença da cadela da família de Auggie, que não tem
nenhum outro propósito na trama além de forçar o choro da plateia, inclusive
poderia ser suprimido sem nenhuma grande perda na construção dramática e
temática da narrativa.
Mesmo ocasionalmente flertando
com um desenvolvimento mais apelativo, Extraordinário
é daqueles filmes que nos fazem sair mais leves da sala de cinema. Um comovente
e fofo exercício de alteridade que nos lembra da importância da gentileza, de
cuidarmos uns dos outros e de não julgarmos pela aparência.
Nota: 8/10
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