quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

Crítica - Lucky

Análise Lucky


Review Lucky
Todos vamos morrer um dia, sabemos disso, é inevitável. A questão é que apesar de termos consciência desse fato, nunca pensamos muito à respeito. A morte sempre parece algo distante, algo que acontece o tempo todo com os outros, mas não conosco. O que acontece quando percebemos que nosso tempo no mundo pode estar chegando ao fim? Como lidar com essa perspectiva? É sobre isso que este Lucky vai tratar ao acompanhar o cotidiano do aposentado Lucky (Harry Dean Stanton), um homem de noventa anos que mora sozinho.

Um dia, o protagonista tem um desmaio súbito em casa e vai ao hospital, seus exames revelam que não há qualquer problema em sua saúde e que ele está em ótimo estado para alguém de sua idade. De acordo com seu médico, é possível que seja apenas a idade e seu corpo deixando de funcionar como deveria. Assim, Lucky é confrontado com sua própria mortalidade e com a necessidade de buscar um sentido em seus últimos dias de vida.

O filme repousa quase que integralmente sobre os ombros de Harry Dean Stanton, sendo o último trabalho do agora falecido ator. Praticamente todo o tempo em cena, Stanton é ótimo ao fazer de Lucky um sujeito ranzinza e antiquado, mas sem deixar de ter uma certa medida de simpatia e bom humor, vivendo em uma rotina extremamente repetitiva. Conforme se depara com a possibilidade de fim, no entanto, é possível ver uma tocante vulnerabilidade por baixo de sua superfície durona. Muitas vezes ele chega a agir com agressividade simplesmente por não saber ou não querer lidar com a possibilidade de morrer, como acontece na cena em que ele vê seu amigo Howard (David Lynch) preparando seu testamento com um advogado (Ron Livingston).

Sua carência e vulnerabilidade são sutilmente evidenciados por Stanton no momento em que ele fecha os olhos e brevemente dá um respiro aliviado ao receber um inesperado abraço. É como se o personagem finalmente admitisse para si mesmo que precisa de afeto e calor humano apesar de viver sozinho. A solidão de Lucky, por sinal, é constantemente evidenciada pelos silêncios e planos cujo único som são os ruídos ambientes.

A melancolia que toma conta do personagem é ressaltada pelo uso da música. Há uma constante melodia de gaita (que posteriormente descobrimos que é tocada pelo próprio Lucky) que exibe ao público os sentimentos que a fachada rígida do protagonista não deixam transparecer. A presença da música para denotar seu estado de ânimo fica ainda mais evidente no momento em que o filme faz uso de uma canção de Johnny Cash ao mostrar Lucky deitado. Tal como a voz e letra da canção de Cash, Lucky é um sujeito que se vê sozinho e lamenta os erros que cometeu no passado, pensado no que sua vida poderia ter sido.

Apesar de toda a melancolia da jornada de aceitação da mortalidade de Lucky, o filme tem uma boa dose de humor e também um olhar poético e positivo sobre a situação conforme o protagonista vai se aproximando das pessoas ao seu redor. Isso funciona principalmente pelo competente elenco coadjuvante, em especial a atuação do célebre diretor David Lynch como Howard. Se os lamentos de Howard sobre a fuga de seu cágado de estimação parecem inicialmente apenas uma tentativa de injetar um pouco de senso de humor absurdo, o arco de aceitação do personagem se torna um tocante despertar para a necessidade de desapego, a importância de entendermos a natureza passageira das coisas e fazermos as pazes com a ideia de que nem tudo está sob nosso controle. Do mesmo modo Tom Skerrit tem uma passagem breve (apenas uma cena) como um veterano do exército, mas tem um poderoso diálogo sobre sorrir diante das adversidades e da perspectiva de morte.

Lucky apresenta um olhar delicado, poético e cheio de sensibilidade para a perspectiva da inevitável morte, lembrando a importância de aproveitar cada momento, seja ele bom ou ruim. O fato deste ter sido o último trabalho de Harry Dean Stanton faz o filme funcionar como uma bela carta de despedida do veterano ator.


Nota: 8/10

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