Todos vamos morrer um dia,
sabemos disso, é inevitável. A questão é que apesar de termos consciência desse
fato, nunca pensamos muito à respeito. A morte sempre parece algo distante,
algo que acontece o tempo todo com os outros, mas não conosco. O que acontece
quando percebemos que nosso tempo no mundo pode estar chegando ao fim? Como
lidar com essa perspectiva? É sobre isso que este Lucky vai tratar ao acompanhar o cotidiano do aposentado Lucky
(Harry Dean Stanton), um homem de noventa anos que mora sozinho.
Um dia, o protagonista tem um
desmaio súbito em casa e vai ao hospital, seus exames revelam que não há
qualquer problema em sua saúde e que ele está em ótimo estado para alguém de
sua idade. De acordo com seu médico, é possível que seja apenas a idade e seu
corpo deixando de funcionar como deveria. Assim, Lucky é confrontado com sua
própria mortalidade e com a necessidade de buscar um sentido em seus últimos
dias de vida.
O filme repousa quase que
integralmente sobre os ombros de Harry Dean Stanton, sendo o último trabalho do
agora falecido ator. Praticamente todo o tempo em cena, Stanton é ótimo ao
fazer de Lucky um sujeito ranzinza e antiquado, mas sem deixar de ter uma certa
medida de simpatia e bom humor, vivendo em uma rotina extremamente repetitiva.
Conforme se depara com a possibilidade de fim, no entanto, é possível ver uma
tocante vulnerabilidade por baixo de sua superfície durona. Muitas vezes ele
chega a agir com agressividade simplesmente por não saber ou não querer lidar
com a possibilidade de morrer, como acontece na cena em que ele vê seu amigo
Howard (David Lynch) preparando seu testamento com um advogado (Ron
Livingston).
Sua carência e vulnerabilidade
são sutilmente evidenciados por Stanton no momento em que ele fecha os olhos e
brevemente dá um respiro aliviado ao receber um inesperado abraço. É como se o
personagem finalmente admitisse para si mesmo que precisa de afeto e calor
humano apesar de viver sozinho. A solidão de Lucky, por sinal, é constantemente
evidenciada pelos silêncios e planos cujo único som são os ruídos ambientes.
A melancolia que toma conta do
personagem é ressaltada pelo uso da música. Há uma constante melodia de gaita
(que posteriormente descobrimos que é tocada pelo próprio Lucky) que exibe ao
público os sentimentos que a fachada rígida do protagonista não deixam
transparecer. A presença da música para denotar seu estado de ânimo fica ainda
mais evidente no momento em que o filme faz uso de uma canção de Johnny Cash ao
mostrar Lucky deitado. Tal como a voz e letra da canção de Cash, Lucky é um
sujeito que se vê sozinho e lamenta os erros que cometeu no passado, pensado no
que sua vida poderia ter sido.
Apesar de toda a melancolia da
jornada de aceitação da mortalidade de Lucky, o filme tem uma boa dose de humor
e também um olhar poético e positivo sobre a situação conforme o protagonista
vai se aproximando das pessoas ao seu redor. Isso funciona principalmente pelo
competente elenco coadjuvante, em especial a atuação do célebre diretor David
Lynch como Howard. Se os lamentos de Howard sobre a fuga de seu cágado de
estimação parecem inicialmente apenas uma tentativa de injetar um pouco de
senso de humor absurdo, o arco de aceitação do personagem se torna um tocante
despertar para a necessidade de desapego, a importância de entendermos a
natureza passageira das coisas e fazermos as pazes com a ideia de que nem tudo
está sob nosso controle. Do mesmo modo Tom Skerrit tem uma passagem breve
(apenas uma cena) como um veterano do exército, mas tem um poderoso diálogo sobre
sorrir diante das adversidades e da perspectiva de morte.
Lucky apresenta um olhar delicado, poético e cheio de sensibilidade
para a perspectiva da inevitável morte, lembrando a importância de aproveitar
cada momento, seja ele bom ou ruim. O fato deste ter sido o último trabalho de
Harry Dean Stanton faz o filme funcionar como uma bela carta de despedida do
veterano ator.
Nota: 8/10
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