As duas temporadas anteriores de South Park tinham investido em tramas
contínuas e arcos que se desenvolviam ao longo da temporada inteira. Era uma
experimentação inesperada para a série e mostrava que os criadores Matt Stone e
Trey Parker ainda estavam dispostos a brincar com a própria fórmula e tentar
coisas novas. Nesta vigésima primeira temporada, eles resolvem voltar a um
formato mais episódico com histórias isoladas e menos dependente de
continuidade, mas o resultado acabou sendo um pouco irregular.
Os problemas começam já no
primeiro episódio, White People
Renovating Houses, que tenta zoar a marcha neonazista ocorrida no interior
dos Estados Unidos esse ano. A série trata a situação de uma maneira
relativamente rasa, longe da contundência e acidez pela qual South Park é famosa, abordando tudo como
apenas uma ação estúpida de um monte de caipiras burros. Não deixa de ter certa
razão (eles são caipiras burros), mas ao mesmo tempo suaviza de algum modo a
gravidade do caso, já que ter pessoas com armas e símbolos nazistas gritando o
extermínio de judeus e negros nas ruas é algo que está em um outro patamar para
além da estupidez sendo esse um dos raros casos em que a série parece não
compreender plenamente o que está satirizando.
A relação de Cartman e Heidi
tinha sido o elo fraco da temporada anterior, mas aqui é melhor explorada, com
Cartman voltando a ser o seu eu manipulador e maquiavélico de sempre. O
personagem usa seus "talentos" para praticamente transformar a
namorada em uma versão feminina dele e fica evidente que a relação se tornou
algo tóxico para os dois, com ambos tentando manipular um ao outro se fazendo
de vítima constantemente. O final da temporada inclusive traz menções a eventos
envolvendo os dois nas temporadas anteriores e traz uma ótima conclusão a essa
subtrama, com Heidi finalmente percebendo a natureza pouco saudável de seu
namoro e resolvendo terminar tudo a despeito das ameaças de Cartman.
Apesar de conterem histórias
isoladas, muitas piadas foram recorrentes ao longo da temporada, como as
constantes paródias feitas com a Netflix e sua pressa por produzir conteúdo
próprio, fazendo-os aprovar praticamente qualquer coisa e tentando reviver
qualquer série que tenha feito sucesso no passado. Isso é abordado tanto no
divertido episódio dos super-heróis, que serve de prelúdio para o jogo A Fenda que Abunda Força, quanto no
episódio envolvendo a volta de Terrance e Philip à televisão via Netflix, aqui
mostrados como uma dupla de idosos que mal conseguem peidar evidenciando a
natureza velha e ultrapassa do humor dos dois.
Há muita razão nas críticas que
são feitas à Netflix, mas não consigo deixar de pensar que existe uma certa
medida de interesse corporativo por baixo de tudo isso, já que ao menos nos
Estados Unidos South Park é
atualmente distribuído via streaming
pela Hulu (responsável por The Handmaid's Tale), concorrente direto da Netflix. Se a série fizesse piada com todos os
serviços de streaming e a
"corrida do ouro" entre eles para chamar atenção com conteúdo próprio
e se destacar das demais talvez não soasse tanto como uma ação empresarial. Do
jeito como a piada é construída, no entanto, por mais que de fato seja
engraçada, não consegue afastar a impressão de que as intenções de South Park não foram apenas as de fazer
comédia.
Como um todo a temporada foi
relativamente irregular. Alguns episódios foram muito, mas muito divertidos, como
o que satiriza a troca de ofensas entre o presidente dos EUA e o ditador da
Coréia do Norte via internet e o medo de uma guerra nuclear entre os dois, o já
citado dos super-heróis ou humor nonsense
dos episódios do Dia de Colombo e o do Dia das Bruxas, que também pode ser interpretado
como uma crítica ao comportamento masculino de ser conivente com os abusos
praticados por outros homens.
Por outro lado, alguns episódios
deixaram a desejar. O que mostra Stan se envolvendo em um esquema de tráfico no
asilo de seu avô, por exemplo, começa com uma premissa divertida ao comparar o
funcionamento de um asilo de idosos com uma prisão e sua tentativa de comentar
a crise de opiáceos, mas acaba se perdendo em uma repetição cansativa das
mesmas gags. De maneira semelhante, o
episódio que tentava traçar paralelos entre o fato de Heidi não conseguir se
desvencilhar de Cartman e os apoiadores de Trump não conseguindo abrir mão de
seu apoio ao presidente perde força ao passar todos os seus vinte minutos ao
repetir as mesmas situações e piadas o tempo todo.
A cena mais eficiente desse
episódio é a que mostra Heidi em um restaurante com as amigas, sendo
ridicularizada por elas por namorar alguém como Cartman e quanto mais ela é
alvo de críticas, mais ela tenta criar argumentos e subterfúgios absurdos para
justificar a continuidade da relação, tal qual eleitores do atual presidente. O
interessante da cena é o modo como ela critica os dois lados da situação, por
um lado expondo ao ridículo as tentativas de justificar o injustificável e por
outro mostrando como a conduta dos opositores em tratar os votantes no
presidente como inferiores ao invés de oferecer-lhes apoio ou compreensão não
dirime a convicção daquelas pessoas, apenas as fortalece.
As críticas ao presidente
funcionam melhor nos dois episódios finais, esses sim interligados em uma trama
única. Os dois episódios mostram o presidente como um idiota egocêntrico
instável desesperado por aceitação pública e como as quedas em sua popularidade
e aceitação pública agravam ainda mais sua conduta agressiva ao ponto em que é
quase impossível defendê-lo. O clima de tensão política é exemplificado pelo
modo como a presença do presidente é comparada com a criatura do filme It: A Coisa e a série ainda faz piada
com a atual onda de revivals
oitentistas ao mostrar como It e Stranger Things são muito parecidos
entre si.
Os dois últimos episódios ainda
conseguem satirizar o puritanismo hipócrita dos Estados Unidos ao mostrar que
as pessoas da cidade ficam mais enojadas ao saber do envolvimento amoroso entre
o diretor e a vice-diretora da escola do que com os absurdos da política. O
final da temporada provavelmente vai dividir opiniões ao deixar muita coisa em
aberto, mas considerando que é impossível cravar uma opinião certeira sobre o
que acontecerá com o país, acabar deixando as dúvidas no ar foi uma escolha
sensata.
A vigésima primeira temporada de South Park tem muitos acertos, mas não
chega a ser o prometido "retorno à glória" para a série graças à
irregularidade entre a qualidade dos episódios.
Nota: 7/10
Trailer
Nenhum comentário:
Postar um comentário