quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

Crítica - Artista do Desastre



Muita gente quer fazer sucesso em Hollywood, mas poucos conseguem. Alguns fazem sucesso por causa do talento, outros da beleza, mas alguns alcançam sucesso através da infâmia, fazendo algo tão bizarro e ruim que é difícil ignorar. Foi isso que aconteceu com Tommy Wiseau. Cansado de ser ignorado em testes e não conseguir papéis ele decidiu escrever, produzir, dirigir e protagonizar um filme mesmo sem ter qualquer experiência real. Gastando cerca de 6 milhões do próprio dinheiro (uma fortuna que ninguém sabe ao certo como ele conseguiu) Wiseau realizou The Room, considerado por muitos o "Cidadão Kane dos filmes ruins". Este Artista do Desastre, baseado no livro The Disaster Artist escrito por Greg Sestero, mostra exatamente o processo de realização de The Room e a amizade esquista entre Wiseau e Sestero ao longo da realização do filme.

Seria fácil transformar a figura bizarra de Wiseau em algo meramente caricatural e fazer do filme inteiro uma comédia direcionada apenas a rir do comportamento bizarro dele, mas, assim como no livro escrito por Sestero, a trama tem um claro afeto por seu esquisito protagonista e tem um interesse genuíno em compreendê-lo. A cena que abre a narrativa é bem eficiente em justificar o que Greg (Dave Franco) vê em Tommy (James Franco, que também dirigiu o filme) e qual a razão deles se aproximarem. Daí em diante acompanhamos o modo como ambos tentam e fracassam em Hollywood, a decisão de Tommy em fazer seu próprio filme e todo o processo envolvido na feitura de The Room.

James Franco realmente habita a persona de Wiseau, captando seus maneirismos físicos, sotaque marcante e uma cadência de fala bem peculiar. Ao mesmo tempo que o filme reconhece a graça de seu comportamento exagerado e sem noção, também percebe que ele é uma figura muito solitária e carente. Alguém que passou por tantos traumas e rejeição que criou seu próprio mundo em sua cabeça e tentou reproduzir isso em seu filme. Dave Franco, por outro lado, acaba tendo uma passagem apagada como Greg, sendo engolido em cena pelo irmão James sendo que seu personagem deveria ser capaz de fazer frente ao dele.

A amizade ambígua entre ele e Greg é abordada de maneira cuidadosa, revelando como Tommy foi importante para que Greg tivesse a confiança para arriscar a carreira de ator, mas ao mesmo tempo agiu como um peso na vida do amigo, interferindo em sua vida profissional e pessoal. Ao mesmo tempo em que gostava de ter Greg por perto, Tommy parecia ter inveja das oportunidades que o amigo tinha e ele não, se mostrando bastante inseguro e até agressivo toda vez que Greg não o tratava como o centro de sua vida. É quase como se Tommy já estivesse tão farto de ser maltratado, ridicularizado e abandonado pelos outros que ao menor sinal de que o amigo podia estar se afastando Tommy tentava afastar as pessoas por conta própria para evitar se magoar mais, se convencendo de que estava sendo traído pelos amigos e colegas.

A trama é esperta ao mostrar as associações entre a conduta de Tommy e a história (ou arremedo de história já que nada faz muito sentido) que ele concebe para The Room, com sua obra servindo de projeção para todos os seus desejos e inseguranças. Em seu filme Tommy é bem sucedido, é amado por todos, é uma figura central de sua comunidade, mas também é enganado pelas pessoas mais próximas.

Apesar de toda essa construção dramática, o filme se abre bastante para o humor, principal e inevitavelmente por toda a esquisitice que é inerente a Tommy. De sua primeira aparição em uma aula de teatro tentando reproduzir uma famosa cena de Um Bonde Chamado Desejo ao modo sem noção com o qual ele aborda um produtor de cinema (vivido por ninguém menos que o diretor Judd Apatow) em um restaurante, é difícil não rir das excentricidades do protagonista. Isso, claro, sem mencionar toda loucura que ocorre nos bastidores da gravação de The Room.

O principal problema de Artista do Desastre vai residir justamente no modo como ele muitas vezes se contenta em apenas reencenar momentos chave de The Room enquanto a equipe de Tommy, como supervisor de roteiro interpretado por Seth Rogen, comenta tudo que há de errado na cena. Tudo bem que é hilário ver como a infame cena de sexo ou o diálogo do "oh, hi Mark" foram feitos, mas o filme desperdiça a oportunidade de explorar melhor as histórias insólitas do resto dos membros do elenco ou desenvolver a personalidade dos demais personagens ao invés de apenas apontar para trechos de The Room e nos dizer "tá vendo como isso é tosco?". Talvez eu pense isso por ter lido o livro escrito por Greg Sestero e saiba que havia mais coisas interessantes a explorar. Ainda assim não deixo de sentir que esse material poderia render algo tão bom como o Ed Wood (1994) de Tim Burton, também centrado em um diretor excêntrico e incompetente, e desperdiça essa oportunidade ao ocasionalmente se contentar em apenas reproduzir os bastidores da produção de Wiseau.

Mesmo não alcançando todo o potencial que tinha, Artista do Desastre funciona como uma competente comédia sobre ir atrás dos seus sonhos e acreditar em si mesmo. Por mais que The Room seja um dos piores filmes já feitos, ele realmente conseguiu catapultar Tommy Wiseau e Greg Sestero ao sucesso de um modo que eles jamais conseguiriam caso não tivessem embarcado naquela bizarra empreitada.



Nota: 7/10

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