terça-feira, 30 de janeiro de 2018

Crítica - A Forma da Água

Análise  A Forma da Água


Review  A Forma da Água
Em A Forma da Água o diretor Guillermo del Toro cria algo difícil de definir sob uma chave de gênero narrativo. A mescla de elementos de horror, romance, suspense, filme de monstro, de espionagem e até um número musical podia render uma colcha de retalhos sem personalidade, mas o cineasta mexicano consegue criar algo bastante singular a partir dessa mescla de referências.

A trama se passa na década de 50 e é centrada em Elisa (Sally Hawkins), uma mulher muda que trabalha como faxineira em uma instalação militar do governo dos EUA. Um dia, durante a limpeza de uma das salas mais secretas, Elisa descobre que o governo está mantendo cativa uma misteriosa criatura aquática anfíbia (Doug Jones) e aos poucos vai ficando mais próxima da criatura.

Filmes como O Monstro da Lagoa Negra (1954), que é claramente uma referência para ser aquático deste A Forma da Água, sempre usaram suas criaturas como uma metáfora da incapacidade do ser humano em compreender e lidar com o que é diferente. O monstro representa o diferente, o não conformismo aos padrões de normalidade e por isso mesmo é considerado uma ameaça que precisa ser exterminada, já que aceitá-lo ou colocá-lo no mesmo nível que um humano significaria repensar (e portanto por em risco) os tais padrões de normalidade. Guillermo del Toro reverbera todos esses temas, mas aqui desloca o eixo do protagonismo para o monstro e aqueles que, como ele, são considerados aberrantes e fora dos padrões de normatização da sociedade da época.

Se essa fosse uma produção feita a 50 anos atrás o vilão Strickland (Michael Shannon) provavelmente seria o herói da história. Strickland é um sujeito cujo principal objetivo de vida é corresponder à imagem idealizada do que um cidadão dos Estados Unidos deve ser. Não é à toa que em dado momento ele come a mesma gelatina cuja publicidade vemos o personagem de Richard Jenkins desenhar e que contem uma família feliz e idealizada consumindo o produto.

O filme, no entanto, revela que por trás dessa imagem de "família feliz ideal de propaganda" há um lado sórdido, exemplificado por toda a cena na qual a esposa de Strickland pede para que ele suba ao quarto depois que seus filhos vão para escola, no qual há um senso de superioridade tão artificial e absurdo que faz o personagem se sentir no direito de fazer o que bem entender com qualquer um que considere inferior. Nesse sentido, os dedos necrosados de Strickland funcionam como um símbolo visual para a podridão interna do personagem que insiste em emergir para a sua superfície.

Inicialmente a aproximação entre Elisa e a criatura parece acontecer por necessidade de roteiro, já que a trama não dá tempo para construir uma motivação para o começo do interesse dela. Conforme a trama avança, porém, o afeto que ela nutre pelo monstro vai ficando mais crível em virtude de percebermos que ela começa a ver nele alguém tão incompleto e incompreendido como ela. Aliás, tanto Sally Hawkins quanto Doug Jones são ótimos em explicitarem como seus personagens se sentem apenas com seus corpos e expressões faciais. Os efeitos práticos e maquiagem que dão vida à criatura interpretada por Jones, por sinal, são extremamente competentes e nos fazem crer que algo assim realmente possa existir. Inclusive chega a ser curioso que dentre todos os Oscars aos quais o filme é indicado ele não tenha sido lembrado nas categorias de maquiagem ou de efeitos especiais, já que se a criatura não funcionasse nem conseguíssemos nos conectar com ela, o filme não funcionaria.

Além de Hawkins e Jones, o resto do elenco é igualmente competente. O destaque fica por conta de Richard Jenkins e sua composição sutil de um homossexual no armário que aparentemente perdeu seu emprego e carreira justamente por ser quem é. Por outro lado a Zelda vivida por Octavia Spencer não difere muito de outras personagens interpretadas pela atriz em filmes como Histórias Cruzadas (2011) ou Estrelas Além do Tempo (2017). Não é uma personagem ruim, ela certamente funciona no contexto do filme e tem momentos divertidos, principalmente quando fala sobre o inútil marido, mas fica a sensação de que a atriz está presa ao mesmo tipo de persona.

Ainda assim, A Forma da Água é um belo conto sobre amor e enfrentamento de preconceitos que se vale do estilo visual de Guillermo del Toro para fazer uma rica releitura dos cânones do cinema hollywoodiano.


Nota: 8/10

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