A expressão alemã zeitgeist é comumente traduzida como
"espírito do tempo" ou "sinal do tempos" e muitas vezes é
usado para se referir ao contexto cultural/ideológico no mundo durante um
determinado período de tempo. Hollywood costuma capitalizar o zeitgeist em seus filmes, seja para
obter sucesso financeiro, seja para chamar a atenção das instâncias de
premiação por sua pertinência aos temas do momento. Este The Post: A Guerra Secreta, dirigido por Steven Spielberg, parece
calculado para faturar indicações ao Oscar ao trazer à baila temas como o
machismo no ambiente de trabalho e a importância do jornalismo em enfrentar um
governo desonesto (uma discussão que ganhou força desde a eleição de Donald
Trump e suas acusações de conluio com os russos).
Quando falo em calculado não
estou necessariamente usando o termo com uma conotação pejorativa. Toda arte é,
de alguma maneira, pensada e calculada para dialogar com o espectador e em
algum nível provocar um efeito específico sobre ele. Diretores como Alfred
Hitchock ou Stanley Kubrick são laureados constantemente pelo modo como cada
enquadramento, movimento de câmera ou corte de montagem é calculado ao seu
mínimo detalhe. Assim sendo, a questão é menos se algo é calculado para ser de
uma determinada maneira e mais se o filme funciona ou não. The Post: A Guerra Secreta, a despeito de seu claro oportunismo,
funciona em suscitar as discussões que propõe.
A trama se passa na década de 70
e é baseada no caso real da publicação dos chamados "Pentagon Papers"
pelo jornal The Washington Post e como a dona do jornal, Kay Graham (Meryl
Streep), e o editor-chefe Ben Bradlee (Tom Hanks) enfrentaram as represálias do
governo Nixon.
O filme mostra as dificuldades de
Kay em navegar no mundo dos negócios predominantemente masculino e machista dos
anos 70. A personagem é constantemente filmada em salas de reunião, cercada de
homens por todos os lados que sempre a tratam com condescendência como se ela
fosse incapaz de desempenhar suas funções por ser mulher. Mesmo alguns de seus
funcionários questionam sua capacidade e muitas vezes seus empregados falam por
ela nas reuniões tomando para si o reconhecimento por palavras que pertencem a
Kay. Meryl Streep é ótima, como de costume, fazendo de Kay uma mulher
preocupada em manter o legado da sua família e a missão do seu jornal a
despeito de tudo que acontece. Seu arco dramático se relaciona com seu
crescimento como mulher de negócios, já que aos poucos poucos percebendo que
precisa se impor diante do universo masculino caso contrário eles lhe dirão o
que fazer com sua empresa e não o contrário.
Como o filme é tão insistente em
denunciar o machismo das pessoas que cercam Kay, chega a ser estranho que o
mesmo não é feito com a conduta de Ben Bradlee. O jornalista trata a chefe com
a mesma condescendência do resto do homens, mas a conduta dele é pintada mais
sob o viés de repórter audaz e sem papas na língua do que efetivamente machista
e, diferente de outros personagens, nem Kay nem a narrativa confrontam Bradlee
por conta de sua conduta. Claro, o carisma habitual de Tom Hanks, bem como a
justificada busca de Bradlee por evidências contra o governo impedem que ele
soe como um sujeito desagradável, mas não deixa de ser estranho que o filme
aponte o machismo de todos menos o dele. Por sinal, a atriz Sarah Paulson (de American Horror Story e American Crime Story) acaba desperdiçada
como a esposa de Bradlee, não tendo muito o que fazer além de reclamar das
horas de trabalho do marido ou levar sanduíches para os repórteres conforme
eles trabalham.
Assim como outros filmes sobre
jornalismo há uma preocupação em detalhar o processo investigativo envolvido na
construção de uma reportagem e a construção de um debate ético a respeito da
função social desta atividade e como a proximidade entre a imprensa e os
poderosos muitas vezes prejudica o jornalismo. Aqui, conforme a investigação se
aprofunda há um senso crescente de suspense e considerando que eu já sabia de
antemão o desfecho isso é um grande feito. Parte disso é que há um senso de
risco pessoal para aqueles personagens, em especial Kay e Bradlee, que arriscam
suas reputações e a própria empresa no que acreditam. Esse investimento nos
dilemas pessoais dos personagens contribui para que nos envolvamos mais com o
que acontece, diferente do que aconteceu em Spotlight: Segredos Revelados (2016), no qual o filme estava mais interessado na
denúncia em si do que em seus personagens.
Ainda que tenha alguns tropeços, The Post: A Guerra Secreta funciona pela
competente dupla de protagonistas, hábil manejo do suspense e por suas
reflexões sobre o papel do jornalismo.
Nota: 8/10
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