Muitos filmes já abordaram a
importância do amor e do afeto em nossas vidas, mas poucos abordaram as
consequências de uma vida sem afeto ou amor de maneira tão dura e contundente
quanto este Sem Amor do cineasta
russo Andrey Zvyagintsev (responsável pelo excelente Leviatã).
O casal Zhenya (Maryana Spivak) e
Boris (Aleksey Rozin) está se divorciando. Conforme eles discutem o que farão
com o filho deles, Alyosha (Matvey Novikov), fica evidente que nenhum dos dois
deseja ficar com o garoto. Um dia Alyosha simplesmente desaparece e seus pais
iniciam as buscas por ele. Era de se imaginar que isso os aproximaria ou que os
faria ver as falhas que cometeram, mas ao invés disso apenas culpam um ao outro
sem qualquer autocrítica.
O filme todo trabalha para criar
um constante clima de distanciamento e desolação. A fotografia trabalha
predominantemente com tons de cinza e uma paleta de cores com pouca saturação
fazendo tudo parecer sem vida, sem intensidade. A música é predominantemente ausente
durante boa parte do tempo, deixando um vazio sonoro que reflete o vazio e o
silêncio da existência triste e sem afeto daquelas pessoas.
Mesmo as conversas entre os
personagens parecem mecânicas, com eles mal olhando um para outro e suas vozes
raramente exibem sentimento, mesmo quando Zhenya ou Boris falam de amor para
seus respectivos novos relacionamentos. A namorada de Boris, por sinal, chora
depois de transar com ele em uma determinada cena, indagando se ele a deixará
tal como deixou Zhenya, revelando que ela também não se sente amada por ele.
Boris, por sua vez, parece
engatar esses relacionamentos por mero senso de dever, ele se casa e tem filhos
porque crê que isso é o que se espera dele. O dono da empresa na qual Boris
trabalha é um religioso ortodoxo que requer que seus funcionários sejam
batizados e casados. Nesse sentido, o filme também faz um comentário sobre como
essa falta de afeto nas relações também está ligada a questões culturais e
políticas da Rússia contemporânea, não só em relação a Boris, mas também a
Zhenya.
Constantemente fixada em seu
celular mesmo enquanto conversa com outras pessoas, Zhenya soa como uma pessoa
egocêntrica, mais preocupada em como ela vista pelos outros, seu status e posição social, do que com
questões afetivas. Esse comportamento frio é traçado até a relação dela com sua
rígida e disciplinadora mãe, a quem Boris chama de "Stalin de saias".
A fala do personagem é um dos raros momentos em que o filme abre mão de sua
construção dramática sutil para escancarar seus temas, remetendo à dureza do
regime stalinista como uma das causas (junto com o conservadorismo religioso e
toda a tecnologia de redes sociais) do desamor que aflige aquela população.
O garoto Matvey Novikov tem
pouquíssimo tempo de tela como Alyosha, mas faz valer cada segundo em cena,
evocando a pouca autoestima, solidão, desespero e desamparo do menino sem nem
precisar recorrer a muitos diálogos. A cena mais eficiente é quando o vemos
chorar copiosamente em um canto escuro do apartamento conforme sua mãe passa
por ele sem percebê-lo e sem se dar conta de que ele ouvia a conversa entre ela
e Boris na qual ambos demonstravam não quererem ficar com o garoto. É
importante que sintamos toda a dor desse menino, já que sem isso sua fuga
pareceria um dispositivo gratuito de roteiro, mas Novikov nos faz crer que
Alyosha se encontrava em um estado no qual isso é bastante crível.
Sem Amor é, portanto, uma desoladora e contundente análise sobre
uma sociedade erodida pelo distanciamento afetivo, oferecendo um comentário
social poderoso não apenas sobre a Rússia, mas sobre o mundo além dessas
fronteiras.
Nota: 9/10
Trailer
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