quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

Crítica - Sem Amor

Análise Sem Amor


Review Sem Amor
Muitos filmes já abordaram a importância do amor e do afeto em nossas vidas, mas poucos abordaram as consequências de uma vida sem afeto ou amor de maneira tão dura e contundente quanto este Sem Amor do cineasta russo Andrey Zvyagintsev (responsável pelo excelente Leviatã).

O casal Zhenya (Maryana Spivak) e Boris (Aleksey Rozin) está se divorciando. Conforme eles discutem o que farão com o filho deles, Alyosha (Matvey Novikov), fica evidente que nenhum dos dois deseja ficar com o garoto. Um dia Alyosha simplesmente desaparece e seus pais iniciam as buscas por ele. Era de se imaginar que isso os aproximaria ou que os faria ver as falhas que cometeram, mas ao invés disso apenas culpam um ao outro sem qualquer autocrítica.

O filme todo trabalha para criar um constante clima de distanciamento e desolação. A fotografia trabalha predominantemente com tons de cinza e uma paleta de cores com pouca saturação fazendo tudo parecer sem vida, sem intensidade. A música é predominantemente ausente durante boa parte do tempo, deixando um vazio sonoro que reflete o vazio e o silêncio da existência triste e sem afeto daquelas pessoas.


Mesmo as conversas entre os personagens parecem mecânicas, com eles mal olhando um para outro e suas vozes raramente exibem sentimento, mesmo quando Zhenya ou Boris falam de amor para seus respectivos novos relacionamentos. A namorada de Boris, por sinal, chora depois de transar com ele em uma determinada cena, indagando se ele a deixará tal como deixou Zhenya, revelando que ela também não se sente amada por ele.

Boris, por sua vez, parece engatar esses relacionamentos por mero senso de dever, ele se casa e tem filhos porque crê que isso é o que se espera dele. O dono da empresa na qual Boris trabalha é um religioso ortodoxo que requer que seus funcionários sejam batizados e casados. Nesse sentido, o filme também faz um comentário sobre como essa falta de afeto nas relações também está ligada a questões culturais e políticas da Rússia contemporânea, não só em relação a Boris, mas também a Zhenya.

Constantemente fixada em seu celular mesmo enquanto conversa com outras pessoas, Zhenya soa como uma pessoa egocêntrica, mais preocupada em como ela vista pelos outros, seu status e posição social, do que com questões afetivas. Esse comportamento frio é traçado até a relação dela com sua rígida e disciplinadora mãe, a quem Boris chama de "Stalin de saias". A fala do personagem é um dos raros momentos em que o filme abre mão de sua construção dramática sutil para escancarar seus temas, remetendo à dureza do regime stalinista como uma das causas (junto com o conservadorismo religioso e toda a tecnologia de redes sociais) do desamor que aflige aquela população.

O garoto Matvey Novikov tem pouquíssimo tempo de tela como Alyosha, mas faz valer cada segundo em cena, evocando a pouca autoestima, solidão, desespero e desamparo do menino sem nem precisar recorrer a muitos diálogos. A cena mais eficiente é quando o vemos chorar copiosamente em um canto escuro do apartamento conforme sua mãe passa por ele sem percebê-lo e sem se dar conta de que ele ouvia a conversa entre ela e Boris na qual ambos demonstravam não quererem ficar com o garoto. É importante que sintamos toda a dor desse menino, já que sem isso sua fuga pareceria um dispositivo gratuito de roteiro, mas Novikov nos faz crer que Alyosha se encontrava em um estado no qual isso é bastante crível.

Sem Amor é, portanto, uma desoladora e contundente análise sobre uma sociedade erodida pelo distanciamento afetivo, oferecendo um comentário social poderoso não apenas sobre a Rússia, mas sobre o mundo além dessas fronteiras.


Nota: 9/10

Trailer


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