sexta-feira, 2 de fevereiro de 2018

Crítica - Desenrolados: 1ª Temporada

Análise Desenrolados: 1ª Temporada


Review Desenrolados: 1ª TemporadaNo papel essa primeira temporada de Desenrolados soa como uma ótima ideia: uma comédia sobre pessoas que trabalham em uma clínica de maconha medicinal para abordar a questão ainda tabu da legalização do produto. Na execução, no entanto, ela esbarra no mesmo problema de outra série do produtor Chuck Lorre: The Big Bang Theory. Ao invés de rir com os personagens, o texto quer que o público ria deles. Assim, da mesma forma que os nerds se tornam o alvo das piadas, sendo constantemente tratados como indivíduos ridículos e patéticos, Desenrolados se contenta em apenas reproduzir os mesmos clichês rasos sobre maconheiros e tem pouco a dizer sobre todo o debate da legalização, sendo mais conservadora do que a premissa sugere.

A série é centrada em Ruth (Kathy Bates), uma advogada defensora do uso de cannabis que abre uma clínica de maconha medicinal junto com o filho Travis (Aaron Moten). Os episódios acompanham o cotidiano de Ruth, Travis e os demais funcionários da clínica conforme eles tentam educar a população sobre os benefícios da maconha medicinal e ocasionalmente enfrentam resistência de opositores.

O primeiro problema é que praticamente todos os personagens são unidimensionais e tem apenas uma piada a ser feita sobre eles que são repetidas à exaustão ao longo dos vinte episódios divididos em duas partes pela Netflix. Travis é desajeitado com mulheres, Jenny (Elizabeth Ho) é asiática (sim, a personagem é um mero estereótipo racial), Pete (Dougie Baldwin) fala com suas plantas, Carter (Tone Bell) tem estresse pós-traumático e Ruth é o clichê da hippie velha. Kathy Bates é ótima e carismática, fazendo suas piadas funcionarem mesmo quando o material não é grande coisa, mas não é suficiente para evitar o cansaço da repetição. A grande maioria das situações cômicas envolvendo esses personagens explora esse único traço e, logicamente, não há como sustentar isso ao longo da temporada, tornando tudo bastante aborrecido.

A subtrama amorosa entre Travis e Olivia (Elizabeth Alderfer) parece acontecer por pura necessidade de roteiro e nunca há uma construção convincente dos motivos que um tem para gostar do outro. Deste modo, todo o joguete narrativo de "será que eles vão ficar juntos?" soa forçado e vazio, já que não temos qualquer razão para nos importarmos com a construção desse relacionamento. Do mesmo modo o arco narrativo envolvendo os bolinhos de Olivia parece não ter nenhum outro propósito para além de fazer trocadilhos bobos (dignos daquele seu tio que sempre faz a piada do pavê) sobre o fato deles se parecerem com cocô, como se a simples menção de fezes bastasse para fazer rir.

Tudo piora quando a trama muda o foco para os personagens secundários que são ainda mais aborrecidos. O casal Dank (Chris Redd) e Dabby (Betsy Sodaro) são uma coleção de clichês sobre maconheiros, sendo estúpidos, sem noção e seres humanos fundamentalmente inúteis. O "humor" deles consiste em agir da maneira mais histérica possível na esperança que seus gritos intimidem o espectador a rir, achando que basta ser exagerado para ser engraçado.

Em dado momento da temporada é introduzida a CNNN, canal de notícias sobre o mundo da maconha e lógico que todos os envolvidos na emissora são estúpidos, incompetentes e falam coisas sem nexo porque na visão dos realizadores se alguém usa maconha, provavelmente é um ser humano inferior incapaz de realizar qualquer coisa com o mínimo de habilidade. O professor de artes marciais Doug (Michael Trucco) começa como uma paródia do pensamento conservador de oposição à maconha, mas conforme a temporada progride ele vai ficando progressivamente mais estúpido e caricato ao ponto de se tornar tão sem graça quanto Dank e Dabby.

O pior mesmo é o arco envolvendo Pete nos episódios finais quando a máquina que ele comprou para ajudar em sua plantação de maconha ganha consciência, se rebela contra ele e passa a controlá-lo por meio de um fone bluetooth, sendo capaz inclusive de implantar informações em sua cabeça ao estilo Matrix. No início cheguei a pensar que era a imaginação dele, mas quando até Doug presencia as ações autônomas da máquina fica claro que tudo está acontecendo "de verdade" e aí tudo fica difícil demais de aceitar. É algo tão gratuito e fora de todo o regime de verossimilhança estabelecido pela série até então que soa como um ato de desespero de uma equipe criativa exausta que simplesmente coloca qualquer coisa no papel só para dar algo para o personagem fazer.

É o tipo de expediente extremo (que costuma ser chamado de "saltar o tubarão" ou "jump the shark") que você até esperaria de uma série com algum tempo de existência que está chegando ao esgotamento de suas possibilidades criativas. Que algo tão incoerente e exagerado seja feito já na temporada de estreia deixa claro que a série não possui fôlego para se sustentar por muito tempo.

Ocasionalmente a trama até tenta falar sobre a importância do uso medicinal da maconha ao abordar a jornada de Carter em lidar com seu estresse pós-traumático ou na fala dos jogadores de futebol americano sobre como a cannabis ajuda a lidar com as dores. Esses momentos, no entanto, são muito pouco frente à enorme quantidade de tempo gasto pela trama em reforçar estereótipos anacrônicos sobre a maconha.

Há também a questão da variação brusca de tom, que dificulta que nos conectemos com os momentos mais dramáticos dos personagens. É difícil sair de uma situação completamente absurda e idiota com Dank e Dabby para ir direto para uma cena na qual Walter (Peter Reigert) informa Ruth que está com câncer terminal ou quando Carter confronta seus traumas de guerra. Como a guinada para esses momentos de mais drama é feita de maneira tão abrupta, fica difícil construir uma empatia quando segundos antes (ou depois) a narrativa rapidamente nos joga em uma situação completamente aloprada.

Falando em inconsistências, ao longo da temporada são apresentados elementos que logo depois são esquecidos e outros que surgem do nada. Em um episódio Carter aparece com um papagaio de estimação (nunca é bom sinal quando uma sitcom apela para animais engraçadinhos), mas depois desse episódio a ave nunca é citada (ainda bem). O desejo de Carter em se tornar comediante é algo jogado de modo bastante displicente pela narrativa, com Jenny casualmente mencionando as intenções dele sendo que em nenhum outro momento isso tinha sido construído. Como tudo parece jogado à esmo, fica difícil se importar, já que a qualquer momento a trama pode resolver inventar do nada alguma outra coisa para o personagem e varrer para debaixo do tapete o que tinha sido feito até então.

Igualmente gratuitos são os breves "falsos comerciais" que na maioria das vezes não tem nada a dizer que a trama já não diga (maconheiros são lerdos e inúteis) e interrompem o fluxo da narrativa sem dar nada realmente interessante ao espectador. A impressão é que eles existem simplesmente para encher a minutagem de um episódio ao invés de acrescentar alguma coisa. Os segmentos animados por outro lado, funcionam para mostrar o que se passa na mente dos personagens, suas ansiedades e problemas, através de uma estética lisérgica que é bem apropriada para traduzir o estado mental deles.

A sensação deixada por essa primeira temporada de Desenrolados é a de algo feito sem qualquer cuidado ou esforço que tenta apelar para os menores denominadores da comédia. Kathy Bates merecia uma série melhor.



Nota: 4/10

Trailer

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