quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018

Crítica - Eu, Tonya


Análise Eu, Tonya


Review Eu, Tonya
Eu lembro quando o caso de Tonya Harding estourou nos anos 90. A ideia de que uma atleta ordenaria um ataque a uma rival para tirá-la da competição era o tipo de coisa que víamos em filmes, mas não na vida real, então logicamente tudo se transformou em um espetáculo midiático. Uma história dessas, que parece diretamente saída do cinema, se mostrava rica para uma adaptação em filme e este Eu, Tonya faz valer o potencial dos eventos reais que o inspiraram.

A trama acompanha a patinadora artística Tonya Harding (Margot Robbie) desde sua difícil e pobre infância até o incidente fatídico que acabou com sua carreira no esporte. O filme nos mostra a complicada relação dela com a mãe LaVona (Allison Jenney) e com seu namorado Jeff (Sebastian Stan), bem como as dificuldades enfrentadas por ela para ascender na carreira esportiva.

Apesar de mostrar os problemas vividos por Tonya, o filme não nos pede para vê-la como uma pessoa inocente ou para relevarmos sua conduta. Ele a humaniza, sim, permite que compreendamos como ela se tornou daquela forma e o que a impeliu a agir do modo como agiu, mas ao mesmo tempo não perde de vista a desfaçatez e até falta de escrúpulo de Tonya diante de tudo que acontecia ao seu redor.

Boa parte do mérito do filme repousa nos ombros de Margot Robbie e Allison Jenney. Robbie faz uma Tonya que guarda uma imensa carência e fragilidade por baixo de sua conduta durona, uma postura que mais parece uma fachada e um mecanismo de defesa em virtude dos anos de abuso mental e físico por sua mãe e por seu namorado. Sua agressividade é um chamariz desesperado para ser notada quando todos recusam-se a lhe dar valor ou tentam diminuí-la, como se tentasse provar no grito que é digna de atenção.

Jenney, por sua vez, constrói a mãe de Tonya como uma pessoa já endurecida por uma vida de dificuldades e que prepara a filha para uma vida igualmente difícil. Sua pedagogia materna consiste de sempre levar a filha ao limite e por mais que isso talvez tenha sido o fator que tornou Tonya tão boa como patinadora, também é a raiz de boa parte dos problemas de sua personalidade. Seria uma personagem que facilmente poderia pender para o exagero, mas Jenney instila nela uma medida de afeto que nos faz perceber que, ao seu modo, LaVonda amava a filha e queria o melhor para ela.

Os percalços de Tonya no universo da patinação também revelam um certo elitismo daquele meio, constantemente abordando como a rejeição à Tonya também vinha do fato dela ter uma origem pobre e de não corresponder aos ideais de "feminilidade" que as pessoas associam ao esporte, já que a conduta durona da atleta ia de encontro à imagem de menina certinha de família que se esperava de uma patinadora.

O filme aborda todo um incidente envolvendo o ataque à patinadora Nancy Kerrigan com uma dose de humor, mostrando como boa parte dos envolvidos não tinha a menor noção do que estavam fazendo e que a idiotice extrema daquelas pessoas em compreender a situação fez tudo ruir. Há algo de similar aos filmes dos irmãos Coen, principalmente Fargo (1996) e Queime Depois de Ler (2008), na maneira como o diretor Craig Gillespie retrata esses eventos bizarros e sujeitos esquisitos. Na verdade, Gillespie se apropria de formas estilísticas de vários realizadores. De Scorsese ele retira as narrações de diferentes personagens se dirigindo à câmera e disputando o controle sobre a narrativa e de Guy Richie ele retira a montagem rápida que rebobina as falas de alguns indivíduos para mostrar como as coisas não ocorreram como eles relataram. Há também o dispositivo do "falso documentário", mostrando versões mais velhas dos personagens refletindo sobre os eventos acontecidos.

O problema nem é a apropriação de recursos, já que eles funcionam para o que o filme propõe, a questão é que ele nunca constrói algo próprio em cima dessas referências e assim Gillespie mais parece um diretor lutando para encontrar uma identidade do que alguém que está reinterpretando ao seu modo formatos já conhecidos.

Isso, no entanto, acaba sendo um problema menor, visto que Eu, Tonya consegue pintar um retrato envolvente e humanizado de uma das figuras mais controversas do universo esportivo.

Nota: 8/10


Trailer

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