Em um tempo de tensões políticas
elevadas fica fácil se entrincheirar em nossas certezas e considerar que
aqueles que pensam diferente são monstros que estão completamente errados que
precisam ser eliminados. O problema dessa conduta é que isso não resolve nada,
apenas escala os conflitos e agrava a situação. A ideia de que essa falta de
esforço em tentar alcançar o outro cria boa parte dos problemas de hoje é o
centro deste O Insulto.
A narrativa se passa no Líbano
começa com um incidente aparentemente banal. O mestre de obras Yasser (Kamel El
Basha), que é um imigrante palestino, está fazendo reparos na rua. Quando ele
tenta consertar a calha irregular do apartamento de Toni (Adel Karam), Toni
quebra o novo cano e derruba água suja sobre Yasser. Irritado com a atitude
aparentemente sem sentido Yasser xinga Toni, deixando-o revoltado. Toni decidir
ir ao chefe de Yasser para que ele obrigue o palestino a se desculpar. A partir
disso as coisas escalam ao ponto de ficar fora de controle, revelando profundas
cicatrizes e tensões entre os libaneses cristãos e os palestinos.
A história de Yasser e Toni serve
de metáfora para o próprio ambiente político do Líbano (e de certa forma do
mundo) com a presença de políticos ultra conservadores se apoiando cada vez
mais em um discurso de ódio contra imigrantes e minorias. Apesar de lidar com
muitos elementos da história política e cultural do Líbano, o filme nunca perde
o foco na jornada dos dois personagens e trata com maturidade e cuidado as
questões morais complicadas que emergem conforme começamos a saber mais sobre o
passado de cada um deles.
Se Toni parece inicialmente um
preconceituoso desprezível, quando conhecemos seu passado compreendemos melhor
os fatores que o tornaram assim (embora isso não torne sua atitude correta).
Igualmente quando conhecemos o passado de Yasser descobrimos que ele não é a
vítima inocente e ingênua que se pensava e embora seu comportamento tenha
relação com décadas de opressão sistêmica isso não necessariamente torna
justificável seus atos de agressão. Dessa forma, o filme lembra que nem sempre
certo e errado, vítima e algoz, bom ou mau não são conceitos tão simples de
definir, principalmente em um contexto social e político tão delicado quanto o
daquela região.
Conforme as coisas evoluem para
algo maior e saem do controle de Toni e Yasser cada um também passa a exibir
uma certa medida de preocupação com o outro, já que eles percebem estar se
tornando joguetes nas mãos de forças políticas maiores e a exposição torna eles
e suas respectivas famílias em alvos de extremistas de várias orientações
políticas diferentes. Isso ajuda dar mais complexidade a eles e evita que eles
se tornem caricaturas unidimensionais definidas apenas por sua nacionalidade.
Apesar do cuidado do texto em
lidar com uma situação tão delicada, ocasionalmente derrapa em alguns momentos,
principalmente em relação aos personagens secundários. A informação de que os
advogados de Toni e Yasser é tratada como uma grande reviravolta, mas não tem
impacto algum na narrativa e não faz nenhuma diferença. A maneira como esse
dado é apresentado é bem esquisita, por sinal, já que não fazia sentido algum
que a juíza apontasse o parentesco naquela situação.
Há também o problema de que alguns
personagens mudam de atitude e personalidade do nada, sem que isso seja
devidamente construído. Um exemplo é o modo como o advogado de Toni fala em
suas declarações de encerramento do processo. Durante todo o filme ele se
comportou como uma caricatura de reacionário, com um discurso de ódio
inflamatório que o tempo todo tenta justificar que não há problema em oprimir
minorias. Ainda assim, a declaração dele ao fim do processo é estranhamente
conciliadora, como se o personagem tivesse passado por uma mudança que nunca é
mostrada pelo filme e contradiz o que foi estabelecido sobre ele até então.
A reação do público que assiste
ao julgamento e o resto da população também é estranha e artificialmente
conciliadora. Era compreensível que o veredito fosse agradar tanto Toni quanto
Yasser, já que eles tinham se acertado um com o outro, mas o mesmo não pode ser
dito da população que assistia ao julgamento. Durante todo o filme a plateia do
tribunal se manifesta de forma bastante agressiva de ambos os lados e imagens
das ruas mostram um conflito e tensão social igualmente efervescente, no
entanto, ninguém parece se importar muito com o veredito e é estranho que
extremistas de ambos os lados não se exaltassem com a resolução dos juízes.
Assim, a narrativa parece querer dar uma solução muito fácil a um problema
bastante complicado, o que tira a força do cuidadoso discurso construído até
então.
Ainda assim O Insulto não deixa de ser um filme necessário para o atual
contexto, lembrando a importância da alteridade e de tentar dialogar ao invés
de se fechar em certezas.
Nota: 7/10
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