Em seus filmes, o diretor
britânico Martin McDonagh costuma usar humor e niilismo para criticar a
obsessão do cinema hollywoodiano (e da sociedade dos EUA) com violência, armas
de fogo e noção de que é possível resolver tudo à força. Nas suas narrativas a
violência não costuma ser a solução e cria mais problemas para quem a utiliza
como ferramenta. Na Mira do Chefe (2008)
abordava essas ideias a partir de uma trama sobre matadores de aluguel,
enquanto que Sete Psicopatas e um Shih
Tzu (2012) tratava isso ao falar da adoração de Hollywood por gângsteres e
psicopatas. Agora, neste Três Anúncios
Para um Crime, o cineasta se debruça sobre a figura do
"justiceiro" urbano, que recorre à violência para combater injustiças
e impunidade.
A narrativa começa quando Mildred
(Frances McDormand) coloca três outdoors
na estrada que leva à sua cidade. Os anúncios cobram da polícia local uma
solução para o estupro seguido de assassinato da filha de Mildred, ocorrido
meses atrás e que segue em aberto. Essa ação agressiva por parte de Mildred
desperta reações extremas em sua cidade. O chefe de polícia Willoughby (Woody
Harrelson), que está com câncer terminal, tenta resolver a questão
pacificamente, explicando a Mildred as dificuldades do caso. Outros policiais,
por outro lado, não estão dispostos a deixar incólume o que eles pensam ser uma
afronta ao departamento, em especial o truculento policial Dixon (Sam
Rockwell). Isso começa uma guerra de atrito entre Mildred e Dixon, conforme
cada um deles age de modo ainda mais agressivo para tentar fazer valer seu
ponto de vista.
Apesar de não recorrer
diretamente à violência no início da trama, Mildred se assemelha muito ao tipo
comum de personagem que sai em busca de justiça com as próprias mãos como
aqueles vividos à exaustão por Charles Bronson. Ela passou por um imenso
trauma, está cansada de impunidade e com muita raiva, deixando que a fúria guie
suas ações. Frances McDormand transmite essa raiva através da fala seca e
direta da personagem, demonstrando que ela não tem a menor paciência para as
baboseiras de ninguém. Sua conduta, no entanto, não é motivada apenas pelo que
aconteceu com a filha, mas também pelos anos de violência doméstica sofrida nas
mãos do ex-marido, que também saiu impune. Assim, sua raiva é mais que
compreensível e justificada, embora seus métodos sejam, por vezes,
questionáveis.
Apesar dela falar o tempo todo em
abusos da polícia e no crime da cidade, esse clima de instabilidade social
nunca é visto ou sentido, o crime com sua filha parece algo fora do comum para
aquela pequena cidade e isso contribui para que percebamos o quão desmedida foi
sua atitude com os anúncios na estrada. Sua raiva não lhe traz nenhum
benefício, apenas a torna solitária e amargurada.
Dixon, por sua vez, é o arquétipo
do policial renegado que segue suas próprias e age com violência desmedida, não
muito diferente do Dirty Harry vivido por Clint Eastwood ou o Riggs
interpretado por Mel Gibson. Em qualquer outra narrativa Dixon poderia ser
tratado como herói, mas aqui é tratado como um ignorante patético (mas ainda
assim perigoso). Ele não é alguém a ser exaltado, mas um sujeito digno de
escárnio por sua postura anacrônica de se comportar como se estivesse no velho
oeste. Assim como Mildred, no entanto, o filme evita reduzi-lo a uma caricatura
ao oferecer uma motivação convincente para ele ser como é ao observar a relação
de Dixon com a mãe. Além disso, a interpretação de Sam Rockwell trabalha para
dar um certo ar de ingenuidade estúpida à conduta de Dixon, como se ele
acreditasse de verdade que está fazendo é correto.
A trama coloca os dois
personagens para eventualmente aprenderem o peso e o custo de suas condutas
violentas e perceberem como tudo apenas piorou as coisas. A raiva deles não era
um motor que os impelia a seguir em frente, mas um grilhão que os prendia no
mesmo lugar. Não é por acaso que a tentativa de Dixon em agir de modo correto é
literalmente "dar a outra face" e deixar que um suspeito bata nele
para conseguir seu DNA ao invés de recorrer à sua típica brutalidade. Para o
filme não há catarse, fechamento ou conforto a ser obtido através da violência,
mas ao mesmo tempo reconhece que não é um problema fácil de resolver ou superar
por estar tão emaranhado na conduta humana. Mais que isso, também ressalta o
quão irreais e tóxicas são a glamourização da violência e o esforço feito pelo
cinema hollywoodiano para transformar personagens similares a Dixon ou Mildred
em heróis.
Nesse sentido, o filme é
inteligente em apresentar um desfecho em aberto, deixando para que o público
decida o destino final dos personagens ou a moralidade de suas escolhas.
Dependendo do seu ponto de vista, pode ser um final melancólico que reconhece
que o ciclo da violência jamais será rompido. Por outro lado, pode ser
interpretado como um final em que aqueles personagens renunciam finalmente o
uso da violência como forma de resolver conflitos.
No fim das contas, Três Anúncios Para um Crime é uma
excelente discussão sobre a futilidade da violência, com uma revisão bem
humorada de certos arquétipos da cinematografia hollywoodiana e um ótimo elenco.
Nota: 8/10
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