segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

Lixo Extraordinário - Samurai Cop


Resenha Samurai Cop


Review Samurai CopA primeira cena deste Samurai Cop (1991) já dá o tom da incompetência que perpassa por toda a produção. Um chefão da yakuza, Fujiyama (Cranston Komuro), marcha por entre seus capangas explicando seus planos para dominar a cidade. Conforme caminha, ele se aproxima da câmera e é possível ver claramente a equipe de filmagem refletida nas lentes dos óculos escuros do personagem. Um dos capangas fala e um corte rápido mostra o rosto do subalterno falando. Quando a câmera retorna a Fujiyama seus óculos escuros desapareceram por completo.

Provavelmente a equipe se deu conta do reflexo e mandou que o ator retirasse os óculos. "Mas porque então não refilmaram a cena anterior para não terem problemas de continuidade com óculos do sujeito desaparecendo do nada?", vocês me perguntam. Bem, existem duas respostas possíveis. A primeira é que ninguém da produção dava a mínima. A segunda é que película (naquela época não existiam câmeras digitais) era algo caro e uma produção de baixíssimo orçamento como essa provavelmente não poderia se dar ao luxo de gastar película preciosa em uma cena já pronta só por "problemas mínimos" de continuidade. De todo modo, mesmo antes que o filme chegue à marca dos cinco minutos fica evidente que estamos diante de algo mambembe, tosco e paupérrimo.

A trama é centrada em Joe (Matt Hannon, que agora usa o nome artístico Mathew Karedas), um policial que treinou no Japão com os grandes mestres das artes marciais e agora retornou à Los Angeles para dar fim à yakuza liderada por Fujiyama e seu perigoso assassino Yamashita (Robert Z'Dar). É curioso que apesar do filme mencionar os anos em que Joe viveu no Japão, o personagem tenha dificuldade de pronunciar o nome de Fujiyama e constantemente use ofensas raciais para se referir aos japoneses. Era de se esperar que um sujeito que passou um tempo considerável em outro país fosse ter um mínimo de habilidade com a língua, bem como alguma medida de respeito por aquela cultura e população.

O ator Matt Hannon tenta fazer do seu personagem um sujeito descolado e machão, mas é tão exagerado que soa ridículo ao invés de durão. Há também o problema relativo ao cabelo do personagem. Em algumas cenas suas longas madeixas são claramente naturais, mas em outras seu cabelo é evidentemente uma peruca. Provavelmente Hannon foi chamado de volta para cenas adicionais depois de achar que tinha encerrado sua participação e, por já ter cortado o cabelo, precisou usar a peruca tosca que aparece em algumas cenas.

Coerência e lógica, no entanto, não parecem ser o forte do filme. Em um dado momento Joe e seu parceiro Frank (Mark Frazer) capturam um dos membros da yakuza. Ferido, o sujeito é levado para o hospital, mas Yamashita arquiteta um plano para assassiná-lo antes que ele possa falar com a polícia. A questão é que o plano não faz o menor sentido. Yamashita faz sua amante se disfarçar de enfermeira, entrando no quarto do alvo empurrando um vasilhame de lixo. Dentro do quarto, Yamashita sai do lixo vestido de médico e corta a cabeça do capanga capturado. Se Yamashita já estava vestido de médico, qual a razão dele precisar se esconder no lixo? A gangue, por sinal, é provavelmente o grupo da yakuza menos japonês que já vi em um filme. Exceto por Fujiyama e Okamura (Gerald Okamura) todos os demais capangas são brancos ou negros, com quase nenhum asiático à vista. É algo bem esquisito, já que a yakuza costuma ser considerada (e representada no cinema) como um grupo bastante fechado à presença de estrangeiros.

Para além das incoerências narrativas, o filme tem várias incoerências no modo como filma as cenas de ação. Um desses furos aparece quando Joe e Frank armam uma emboscada para o mafioso Okamura. Os policiais o encontram na cama com uma mulher e Okamura sai correndo só de cueca. Antes de sair do quarto, no entanto, ele para pegar as roupas no cabide, o que é bem estúpido considerando que a polícia está logo atrás dele, mas isso nem é o pior que acontece. A cena corta para uma tomada do lado de fora do quarto e Okamura sai correndo pela porta já vestido e com os dois policiais logo atrás dele. Como isso aconteceu? Ele se vestiu na velocidade da luz? Joe e Frank simplesmente ficaram parados esperando Okamura se vestir? Provavelmente no meio da filmagem o diretor se deu conta que seria ridículo uma perseguição com um sujeito de cueca e como a produção não devia ter tempo ou dinheiro para refazer o início da cena simplesmente fizeram esse remendo bizarro.

As cenas de ação, por sinal, são bem ruins. As lutas parecem coreografadas por alguém que nunca chegou perto de artes marciais na vida. A narrativa é tão consciente do quanto tudo é duro e sem fluidez que coloca boa parte dos combates corporais, em especial as lutas de Joe contra Okamura e Yamashita, em fast foward (sim, como se estivessem avançando o filme) para artificialmente fazê-las parecer mais rápidas e intensas. Como se isso não fosse o bastante, o duelo final entre Joe e Yamashita também tem vários problemas de continuidade, com a luz do sol sendo diferente a cada plano. Em um instante o dia está claro, logo depois o sol está se pondo e segundos depois o sol está claro novamente. Provavelmente as cenas foram gravadas ao longo de vários dias e ninguém se deu conta da falta de coerência da iluminação até chegar a hora de montar tudo e aí não havia solução a dar. Ou isso ou tudo foi feito de propósito para fazer parecer que a luta deles durou vários dias, vai saber.

Os tiroteios são igualmente mal feitos, principalmente pela escolha do filme em ser explícito com o sangue dos ferimentos. Quando alguém é baleado simplesmente vemos uma mancha vermelha aparecer sobre as roupas, sem qualquer dano às vestimentas ou uso de maquiagem para simular um ferimento. Assim, mais parece que os personagens foram atingidos por uma arma de paintball do que por tiros de verdade.

Todo o elenco é bastante canastrão e exagerado, rendendo muitos momentos de puro humor involuntário conforme eles tentam dar seriedade a diálogos que por si só já soam ridículos. Um exemplo é a cena em que Joe tenta flertar com uma enfermeira no hospital e tudo descamba para uma conversa sobre o pênis dele. Como se a conversa já não fosse toscamente hilária, as caras e bocas feitas por Frank durante o diálogo tornam tudo ainda mais ridículo. O mesmo pode ser dito sobre uma cena em que Frank é capturado pelos vilões e um capanga aponta uma faca para a virilha do policial dizendo que irá livrar Frank do seu "dom negro". Sim, o vilão está se referindo ao pênis do personagem (qual o problema desse filme e diálogos sobre pênis?) e a fala foi claramente pensada como uma sagaz ameaça, mas termina soando estranhamente racista e homoerótica.

Já que mencionei erotismo, não posso deixar de falar sobre as bizarras cenas de sexo que o filme apresenta. Em uma delas Joe e uma loira anônima simplesmente se esfregam um no outro em silêncio como se fossem dois bichos no cio que não fazem a menor ideia de como copular. Outra mostra o vilão Yamashita com sua amante na cama fazendo movimentos com suas bocas que deveriam ser beijos, mas eles parecem ter dificuldade (ou apenas estavam desconfortáveis) em acertar os lábios um do outro, dando a impressão de que nenhum deles tinha beijado na boca antes. Todas essas cenas de sexo são pontuadas por uma música brega que parece retirada de algum pornô softcore ruim.

Com um texto ruim, direção inábil, atores canastrões, vários erros de montagem e cenas de ação pobremente concebidas, Samurai Cop é um filme tão incompetente que se torna irresistivelmente divertido. Tudo é tão bizarro e tosco que é impossível não rir. O filme chegou a ganhar uma continuação em 2015 chamada Samurai Cop 2: Deadly Vengeance. A continuação conta com a presença de ninguém menos que Tommy Wiseau, responsável por The Room, o "Cidadão Kane dos filmes ruins", mas não tem a mesma graça deste original, já que é algo feito propositalmente para ser ruim ao invés de exibir a comicidade acidental vista aqui. Há também um terceiro filme, feito em 2017, chamado Revenge of the Samurai Cop, mas como eu não assisti, não tenho como dizer se ao menos é engraçado.


Trailer
  

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