domingo, 11 de março de 2018

Crítica - Dívida Perigosa


Análise Crítica - Dívida Perigosa


Review - Dívida Perigosa
Apesar de produzir séries de alta qualidade e se sair relativamente na produção de documentários, a Netflix continua a tropeçar na produção de filmes de ficção. A sensação é que esses filmes são pensados e escritos por algum algoritmo que agrupa as preferências de usuários a partir de palavras-chave tipo "dramas de época", "filmes de gângster", "filmes com Jared Leto" e "cinema japonês" e então produz um roteiro que repete de maneira automática e sem muita imaginação os principais elementos de filmes que contenham essas palavras-chave. Assistir este sonolento Dívida Perigosa produz essa exata sensação de algo feito de maneira robótica e sem labor criativo.

A trama se passa no Japão da década de 50. Nick (Jared Leto) é um soldado dos Estados Unidos em uma prisão japonesa. Quando ele ajuda um colega de cela, um alto membro da família criminosa Shiromatsu, em uma fuga da prisão, Nick recebe um convite para se juntar à yakuza. A partir daí, o público acompanha a subida de Nick pelas fileiras da organização seguindo todos os clichês desse tipo de história, incluindo famílias rivais, um romance proibido com a filha do chefe, um traidor na família e mais alguns outros elementos já vimos sendo melhor construídos em vários outros filmes.

Considerando que o título original é The Outsider (algo como "o forasteiro"), era de se imaginar que o estatuto de Nick como estrangeiro fosse ser o principal foco de conflito da trama. Era de se imaginar que o filme fosse se interessar em compreender o abismo cultural que separa o oriente do ocidente da mesma forma que Martin Scorsese fez no ótimo Silêncio (2017), mas nada disso acontece. A família Shiromatsu aceita Nick sem grandes problemas e o próprio protagonista parece não ter nenhum conflito ou dilema com seu novo cotidiano de violência. Essa aceitação fácil faz menos sentido ainda se pensarmos no contexto da época, os EUA tinham aleijado o Japão, atingido o país com duas bombas atômicas, era de se imaginar que um americano, ainda mais um ex-soldado, fosse ser visto como um inimigo ou invasor, mas isso praticamente não acontece.

Se isso não causa grandes problemas para o personagem, era de se imaginar que seu romance com a filha do chefe causaria, mas, de novo, nada acontece. Kiyoshi (Tadanobu Asano), o filho do chefe, avisa para Nick ficar longe da irmã, mas não faz nada para afastá-lo. Seu diálogo sobre a relação entre Nick e Miyu (Shioli Kutsuna) torná-la um alvo não faz o menor sentido, o fato dela ser filha de um chefão da yakuza já não seria suficiente para torná-la um alvo das famílias rivais? Quando Miyu anuncia que está grávida de Nick, esperei que Kiyoshi ou seu pai finalmente tomassem alguma atitude em relação à desobediência de Nick, mas novamente não há consequência alguma para a transgressão dele. O terço final acaba sendo o clichê da família sendo traída por um de seus membros, um sujeito que tinha ciúmes da ascensão de Nick, mas isso faz pouco para desenvolver os personagens ou ideias que a trama se propõe a tratar.

Não ajuda que Nick seja um protagonista tão vazio. Seu passado não é plenamente explicado e mesmo a cena em que Nick encontra um soldado de sua antiga unidade (Emile Hirsch) é vaga demais para desenvolver um passado ou personalidade clara para o protagonista. Isso é piorado pela atuação gélida e voz monótona de Jared Leto, que exagera tanto na frieza de Nick que tudo descamba para apatia ou para uma composição tão exagerada que se torna ridícula. Essa frieza em excesso também contribui para que seja difícil embarcar no romance entre ele e Miyu.

A principal virtude da película é a sua reprodução fiel dos anos 50, seja na decoração dos cenários ou nos figurinos impecáveis e ternos estilosos. As cenas de ação tentam impressionar com sua violência crua, mas é difícil sentir qualquer coisa quando os personagens são tão insossos e Nick despacha os inimigos sem muita dificuldade, esvaziando essas cenas de qualquer peso dramático ou sensação de perigo.

Com uma narrativa que mal consegue estabelecer conflitos, personagens vazios e um desenvolvimento que se resume a um amontoado de lugares comuns encadeados preguiçosamente, não há nada a aproveitar no desastre que é Dívida Perigosa.


Nota: 2/10

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