A história de Cristo já foi
contada várias vezes e sob diferentes enfoques. Este Maria Madalena parecia só mais uma tentativa de contar a mesma
história usando um outro ponto de vista, mas se eleva do resto dos "filmes
bíblicos" ao usar sua protagonista para dizer algo mais além de requentar
uma narrativa que todo mundo já cansou de conhecer.
Centrado na figura de Maria
Madalena (Rooney Mara), o filme tem a intenção de passar a limpo algumas
concepções ligadas à personagem, em especial a ideia de que ela era uma
prostituta que seguia Jesus (Joaquin Phoenix) por algum tipo de penitência.
Aqui ela é uma mulher que não se encaixava nos padrões da época por não se ver
como esposa e mãe, decidindo seguir Jesus por crer em sua mensagem de
tolerância, amor, perdão e igualdade.
O melhor do filme é justamente
usar o ponto de vista de Maria Madalena para falar da estrutura patriarcal de
sua época (e que reverbera até hoje), que colocava os homens em funções de
poder e relegava as mulheres a papéis subalternos. Aqui, Madalena é uma igual
aos demais apóstolos, inclusive realizando batismos tal como os outros fazem.
Ela é menos uma observadora passiva e mais uma força actante na disseminação da
mensagem de Jesus, denotando uma busca por igualdade entre homens e mulheres
que o catolicismo institucional nunca abraçou.
Rooney Mara faz de Madalena uma
mulher inicialmente insegura e atormentada por não conseguir se encaixar em sua
sociedade, crendo que há algo errado nela. Conforme sua mente se abre para a
possibilidade de igualdade e ruptura com padrões pré-concebidos arbitrários, a
personagem vai ganhando confiança em sua missão de espalhar uma mensagem de fé
e Mara traz força e candura em iguais medidas para sua personagem.
Com uma protagonista tão
interessante, é uma pena que por volta da metade da projeção o filme deixe
Madalena de lado para se tornar mais uma reprodução padrão dos últimos dias de
Jesus. Claro, Joaquin Phoenix é bastante competente como Jesus, construindo-o
como uma figura complexa ao combinar uma paixão e intensidade de agitador
político com a bondade e ternura de um pregador e a melancolia de um homem que
sabe o sacrifício que o aguarda. O filme também acerta ao dar mais
personalidade a Judas, fazendo dele um revolucionário bem intencionado, mas com
pressa para atingir seus resultados, evitando maniqueísmos fáceis. Mesmo com
esse esforço em trazer novas camadas a figuras conhecidas, o filme não consegue
afastar a impressão de que sua segunda metade se desvia do seu foco em
Madalena.
A personagem só recupera seu
protagonismo nas últimas cenas do filme, quando Cristo ressuscita e ela é a
primeira a vê-lo, mas os discípulos a ignoram e a silenciam, deixando-a de fora
do resto de suas atividades. É uma cena poderosa, que revela a ação de uma
estrutura social patriarcal para excluir o feminino das posições de ação e
decisão. Uma escolha que produz consequências até os dias atuais e não consigo
deixar de imaginar como seria nossa sociedade (e o próprio cristianismo) se
desde sua fundação a igreja já tratasse homens e mulheres como iguais.
A potência deste desfecho, no
entanto, se perde durante os letreiros finais. A última caixa de texto anuncia
que em 2016 Maria Madalena foi reconhecida como apóstola pela Igreja Católica
Apostólica Romana e enquadra isso como se a igualdade plena tivesse sido
alcançada dentro dessa instituição, o que é simplesmente falso. Ainda hoje as
mulheres ocupam posições subalternas dentro da Igreja, todos os cargos de real
poder são ocupados por homens e as mulheres sequer podem ocupar funções
sacerdotais. O reconhecimento de Madalena como uma igual dos demais apóstolos é
um avanço importante, não nego isso, mas ao remover essa fala do contexto do
funcionamento do catolicismo o filme desonestamente cria a impressão de que o
problema foi resolvido, quando está longe disso. Teria sido mais sincero
reconhecer que a luta pela igualdade ainda está longe de acabar ao invés de
simplesmente varrer o problema para debaixo do tapete.
Maria Madalena é um filme cheio de boas intenções e até consegue
concretizar boa parte delas graças ao trabalho de Rooney Mara, mas derrapa ao
deixar de lado sua protagonista e por querer forçar uma catarse falsa ao final.
Nota: 6/10
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