terça-feira, 13 de março de 2018

Crítica - Maria Madalena


Análise Maria Madalena


Review Maria Madalena
A história de Cristo já foi contada várias vezes e sob diferentes enfoques. Este Maria Madalena parecia só mais uma tentativa de contar a mesma história usando um outro ponto de vista, mas se eleva do resto dos "filmes bíblicos" ao usar sua protagonista para dizer algo mais além de requentar uma narrativa que todo mundo já cansou de conhecer.

Centrado na figura de Maria Madalena (Rooney Mara), o filme tem a intenção de passar a limpo algumas concepções ligadas à personagem, em especial a ideia de que ela era uma prostituta que seguia Jesus (Joaquin Phoenix) por algum tipo de penitência. Aqui ela é uma mulher que não se encaixava nos padrões da época por não se ver como esposa e mãe, decidindo seguir Jesus por crer em sua mensagem de tolerância, amor, perdão e igualdade.

O melhor do filme é justamente usar o ponto de vista de Maria Madalena para falar da estrutura patriarcal de sua época (e que reverbera até hoje), que colocava os homens em funções de poder e relegava as mulheres a papéis subalternos. Aqui, Madalena é uma igual aos demais apóstolos, inclusive realizando batismos tal como os outros fazem. Ela é menos uma observadora passiva e mais uma força actante na disseminação da mensagem de Jesus, denotando uma busca por igualdade entre homens e mulheres que o catolicismo institucional nunca abraçou.

Rooney Mara faz de Madalena uma mulher inicialmente insegura e atormentada por não conseguir se encaixar em sua sociedade, crendo que há algo errado nela. Conforme sua mente se abre para a possibilidade de igualdade e ruptura com padrões pré-concebidos arbitrários, a personagem vai ganhando confiança em sua missão de espalhar uma mensagem de fé e Mara traz força e candura em iguais medidas para sua personagem.

Com uma protagonista tão interessante, é uma pena que por volta da metade da projeção o filme deixe Madalena de lado para se tornar mais uma reprodução padrão dos últimos dias de Jesus. Claro, Joaquin Phoenix é bastante competente como Jesus, construindo-o como uma figura complexa ao combinar uma paixão e intensidade de agitador político com a bondade e ternura de um pregador e a melancolia de um homem que sabe o sacrifício que o aguarda. O filme também acerta ao dar mais personalidade a Judas, fazendo dele um revolucionário bem intencionado, mas com pressa para atingir seus resultados, evitando maniqueísmos fáceis. Mesmo com esse esforço em trazer novas camadas a figuras conhecidas, o filme não consegue afastar a impressão de que sua segunda metade se desvia do seu foco em Madalena.

A personagem só recupera seu protagonismo nas últimas cenas do filme, quando Cristo ressuscita e ela é a primeira a vê-lo, mas os discípulos a ignoram e a silenciam, deixando-a de fora do resto de suas atividades. É uma cena poderosa, que revela a ação de uma estrutura social patriarcal para excluir o feminino das posições de ação e decisão. Uma escolha que produz consequências até os dias atuais e não consigo deixar de imaginar como seria nossa sociedade (e o próprio cristianismo) se desde sua fundação a igreja já tratasse homens e mulheres como iguais.

A potência deste desfecho, no entanto, se perde durante os letreiros finais. A última caixa de texto anuncia que em 2016 Maria Madalena foi reconhecida como apóstola pela Igreja Católica Apostólica Romana e enquadra isso como se a igualdade plena tivesse sido alcançada dentro dessa instituição, o que é simplesmente falso. Ainda hoje as mulheres ocupam posições subalternas dentro da Igreja, todos os cargos de real poder são ocupados por homens e as mulheres sequer podem ocupar funções sacerdotais. O reconhecimento de Madalena como uma igual dos demais apóstolos é um avanço importante, não nego isso, mas ao remover essa fala do contexto do funcionamento do catolicismo o filme desonestamente cria a impressão de que o problema foi resolvido, quando está longe disso. Teria sido mais sincero reconhecer que a luta pela igualdade ainda está longe de acabar ao invés de simplesmente varrer o problema para debaixo do tapete.

Maria Madalena é um filme cheio de boas intenções e até consegue concretizar boa parte delas graças ao trabalho de Rooney Mara, mas derrapa ao deixar de lado sua protagonista e por querer forçar uma catarse falsa ao final.


Nota: 6/10

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