Filmes que contam histórias sobre
crianças vivendo da pobreza muitas vezes pendem para o excesso, ou romantizam
demais as condições sob as quais seus personagens vivem ou pesam demais a mão
no sofrimento deles diante da situação adversa. Em Projeto Flórida, no entanto, o diretor Sean Baker (do excelente Tangerine) alcança um raro equilíbrio
entre a ingenuidade da infância e a dureza do mundo adulto.
A trama é centrada na pequena
Moonee (Brooklynn Prince), uma menina de seis anos que passa seus dias de férias
brincando com seus amigos nas ruas ao redor do hotel barato no qual vive com a
mãe, Halley (Bria Vinaite). Sem emprego, Halley encontra cada vez mais
dificuldade para pagar as contas e sustentar a filha, mas Moonee, em sua
ingenuidade infantil, está alheia a tudo isso.
A câmera de Sean Baker muitas
vezes registra seus personagens com um certo distanciamento, como se o cineasta
não as conhecesse e as estivesse analisando, estudando, seguindo aquelas
pessoas para tentar compreendê-las. Há um claro contraste entre as cenas
envolvendo Moonee e as que envolvem Halley. Moonee vê o mundo como um espaço
cheio de oportunidade, um lugar grandioso para aventuras e descobertas,
estabelecendo um senso constante de encantamento conforme a menina explora os
arredores com seus amigos. Halley, por outro lado, experimenta uma vida no qual
nada dá certo e sua existência é tomada por desencanto e melancolia conforme
ela vai se dando conta da piora de sua situação. Que Moonee não se dê conta da
sua própria situação de miséria só torna tudo mais desolador.
Parte desse senso de encantamento
vem do modo como Baker filma as paisagens da Flórida, usando uma paleta
colorida e com predominâncias de tons pastéis que conferem um caráter idílico a
espaços que sabemos compor uma região degradada de classe média-baixa, algo que
o constante som do helicóptero da polícia sobrevoando a área não nos deixa
esquecer. A outra instância que permite esse deslumbre é a própria Brooklynn
Prince, tão natural e sincera em sua personalidade espevitada que faz parecer
que Sean Baker simplesmente viu a menina na rua e começou a segui-la com a
câmera. A narrativa é toda permeada por esse senso de naturalismo, como se
estivéssemos simplesmente assistindo a vida de alguém normal e não uma ficção
feita para exibir grandes momentos dramáticos.
Falando em sinceridade e calor
humano, Willem Dafoe surpreende como o gerente do hotel em que Halley vive.
Apesar das estritas regras que precisa (afinal ele é só um funcionário) impor
aos hóspedes, é possível perceber que ele tem um cuidado e preocupação
verdadeiros por aquelas pessoas. Isso fica evidente na cena em que ele para
tudo que está fazendo para afastar um estranho homem que tenta interagir com as
crianças que brincam no gramado. Do mesmo modo, ele exibe um claro desconforto
na centra entre Halley e o conselho tutelar próximo ao fim do filme. Sua
decisão de sair para fumar é praticamente uma desculpa para sair dali e não ter
que presenciar as consequências dolorosas do que irá acontecer.
Esse desconforto é também
experimentado pelo espectador e é difícil não se emocionar com a reação de
Moonee ao se despedir de uma amiga. É cheio de sensibilidade e desalento,
quebrando sem dó a alegria ingênua com a qual a menina vivia até então. Com o
olhar cuidadoso de Sean Baker, Projeto
Flórida é igualmente repleto de encantamento e melancolia. Um estudo
delicado sobre infância e perda de inocência.
Nota: 9/10
Trailer:
Nenhum comentário:
Postar um comentário