O sequestro de um avião da Air
France com destino a Tel Aviv em 1976 por um grupo de radicais pró Palestina já
tinha sido transformado em filme em Operação
Thunderbolt (1977), agora o diretor brasileiro José Padilha tenta contar
novamente essa história com 7 Dias em
Entebbe. Supostamente o filme deveria ser uma reflexão sobre a incapacidade
de diálogo entre ambas as partes envolvidas (Israel e Palestina), mas muito da
construção fílmica depõe contra a intenção da mensagem a ser construída.
A trama começa quando um grupo de
alemães pró Palestina, liderados por Wilfried Böse (Daniel Bruhl) e Brigitte
Kuhlmann (Rosamund Pike), sequestra um voo da Air France que ia para a capital
de Israel. O grupo leva o avião até a cidade de Entebbe, em Uganda, na qual se
encontram com radicais palestinos e deixam todos os passageiros presos no
aeroporto da cidade, com a anuência do governante de Uganda, Idi Amin (Nonso
Anozie), exigindo que Israel liberte presos políticos palestinos em troca da
libertação dos reféns.
Padilha tenta realizar algo no
molde um suspense ou thriller
político, mas o filme carece de tensão para funcionar como tal. Parte do
problema é que, como de costume em seus trabalhos, Padilha está mais
interessado no contexto ao redor dos personagens do que nos sujeitos em si.
Dessa forma os personagens se tornam meras engrenagens em um mecanismo maior,
desprovidos de qualquer aprofundamento ou personalidade, são meros veículos
para o cineasta nos dar informação e se os personagens não importam, é difícil
sentir qualquer sensação de perigo ou urgência. Os personagens não falam, não
conversam, eles dão palestras sobre ideologia, moralidade e política. A
sensação é menos a de estarmos vendo pessoas envolvidas em uma tensa crise e
mais a de que assistimos uma espécie de videoaula dramatizada. Tal como falei
em meus textos sobre a segunda e terceira temporada de Narcos, se o interesse de Padilha reside mais sobre essas
discussões maiores e menos em entender aquelas pessoas, porque fazer uma ficção
ao invés de um documentário?
As cenas de ação não funcionam
como deveriam em parte pela escolha estética de contrapor esses momentos com
uma performance de dança. A coreografia da companhia Batsheva para a canção Echad Mi Yodea aparece logo no início do
filme, é esquecida quase que completamente durante o filme inteiro e só retorna
no final durante a operação de resgate dos reféns. O modo como a trama tenta
costurar a dança no resto filme é pra lá de displicente, jogando a esmo uma
subtrama romântica cafona sobre a namorada dançarina de um dos soldados
envolvidos na operação de resgate. Fica evidente que essa subtrama é meramente
uma desculpa pra enfiar essa dança no meio de uma cena de ação, mas o pior é
que a montagem alternada das duas coisas simplesmente não funciona. Seriam
momentos impactantes isoladamente, mas o modo como a montagem alterna entre as
duas sequências não só as deixa demasiadamente fragmentadas como faz
associações óbvias entre as imagens dos dois segmentos diminuindo o impacto de
ambas ao invés ampliá-lo.
A construção do discurso sobre a
situação é outro problema sério. Primeiro porque todo o amplo panorama
construído serve para transmitir o clichê de que as pessoas não conseguem
dialogar, como se ninguém que minimamente observasse toda a questão Israel e
Palestina (ou qualquer outro conflito político) não fosse capaz de chegar a
essas mesmas conclusões, sem exatamente tentar entender o que leva a essa
recusa do diálogo ou sede de conflito. O filme destaca um sintoma que todo
mundo já conhece, mas não oferece qualquer insight
interessante sobre a doença em si.
Outro problema em relação a esse
discurso pacifista e conciliatório é que o filme propõe um olhar afastado e isento
que não se concretiza durante a projeção. Entendam, não há problema em assumir
um lado, ainda mais na arte onde se espera que o produto seja fruto do olhar
subjetivo do artista sobre aquilo que sua obra trata, o problema está em se
declarar isento sendo que sua obra claramente adere a um lado, o que soa
desonesto ou incompetente.
Desde a cena inicial fica
evidente que o filme pende para o lado israelense ao abrir com uma performance
da companhia Batsheva (uma companhia israelense) dançando sob a canção Echad Mi Yodea, uma canção judaica
cantada costumeiramente durante o Pessach (algo como a Páscoa para o judaísmo)
que enumera elementos comuns do ensinamento judaico, cuja coreografia reflete o
sofrimento e libertação do povo judeu. Enquanto que existem uma multiplicidade
de personagens israelenses, desde membros do gabinete do primeiro-ministro
Ytzhak Rabin (Lior Ashkenazi), passando pelos reféns, os soldados envolvidos no
resgate e suas famílias, do lado palestino o filme apenas apresenta o grupo que
sequestrou o avião, reduzindo um lado inteiro da conversa a criminosos enquanto
o outro desempenha uma multiplicidade de papéis.
O uso do idioma estrangeiro é
outra questão na qual a dita isenção do filme esbarra. Considerando que é um
filme feito nos Estados Unidos, portanto que pensa prioritariamente no público
de língua inglesa, a decisão sobre qual idioma os personagens falam tem muito a
dizer. Os personagens israelenses falam integralmente em inglês (ainda que com
algum sotaque), mas o grupo pró-palestina no avião constantemente fala entre si
em alemão e árabe. Assim, o filme permite uma identificação (ou senso de
igualdade) dos israelenses enquanto que os membro da frente pró palestina soam
incomodamente estrangeiros e distantes, são o "outro". Sim, alguns
passageiros franceses também falam francês em alguns momentos, mas os franceses
não constituem um "lado" neste conflito e eles estão ali justamente
como vítimas estrangeiras e não pertencentes ao foco da ação dos
sequestradores.
A narrativa tenta ceder o
protagonismo para os sequestradores do avião, mas esse protagonismo pouco
adianta se os personagens são tão mal desenvolvidos. O personagem de Daniel
Bruhl é o único a mostrar uma módica quantia de humanidade pelos reféns, mas a
trama o pinta como um tolo idealista (e hipócrita em alguns momentos, como
quando um amigo o lembra que ele é um burguês) que se meteu em algo além de sua
capacidade. Todos os demais, ainda que tenham a motivação da perda de
familiares, são fanáticos cheios de certeza e nenhuma dúvida. A trama ainda
deixa evidente o que pensa sobre os revolucionários quando Böse conversa com um
dos membros da tripulação do avião e o engenheiro de voo encerra o diálogo (e a
cena) ao dizer: "um engenheiro vale mais que 50 revolucionários".
No núcleo israelense, por outro
lado, o primeiro-ministro Rabin é um homem ponderado, sempre questionando os
impactos que suas decisões causarão no longevo conflito com a Palestina e
aberto ao diálogo. Rabin é construído como uma ilha de sensatez cercada por um
oceano de irracionalidade de ambos os lados. Ele é apresentado como um homem
sem falhas e composto inteiramente de virtudes (contrapondo-o às
incongruências, vícios e violência dos sequestradores), ou seja tão
unidimensional quanto os sequestradores. O ministro da defesa Shimon Peres
(Eddie Marsan) funciona como o vilão do filme sempre tentando forçar um
conflito e o texto faz dele um sujeito tão sedento por conflito que só faltou
dar a ele uma cena em que o personagem soltasse uma gargalha maligna enquanto esfrega
as mãos ao perceber que seus planos estão dando certo.
Eddie Marsan, Lior Ashkenazi e
Daniel Bruhl conferem alguma credibilidade aos seus personagens e evitam que
descambem para uma caricatura aborrecida tal qual os demais, a exemplo da
sequestradora vivida por Rosamund Pike ou do retrato feito de Idi Amin, que
mais soa como um bufão ególatra e ridículo do que um instável e perigoso
megalomaníaco. Ou seja, é um filme que clama denunciar a falta de diálogo entre
dois lados de um longevo conflito visando ressaltar a importância da conciliação, mas claramente privilegia um lado, lhe dando
mais razão (assim como mais motivos para o público aderir a esse lado), o que
constrói um contrassenso lógico em relação à mensagem que deseja passar. A
materialidade do filme depõe contra seu próprio discurso (ou intenção de
discurso) e sequer parece entendê-lo, o que é um problema gravíssimo.
7 Dias em Entebbe se mostra um suspense desprovido de tensão e um
comentário político insosso, prejudicado por personagens unidimensionais e uma
falta de compreensão sobre o problema que quer tratar.
Nota: 3/10
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