segunda-feira, 30 de abril de 2018

Crítica - Teu Mundo Não Cabe nos Meus Olhos

Análise Teu Mundo Não Cabe nos Meus Olhos


Review Teu Mundo Não Cabe nos Meus Olhos
Alguns filmes valem a experiência pela importância da mensagem que passam. Às vezes uma obra tem algo tão importante a dizer que relevamos as falhas estruturais da trama, as incoerências do roteiro ou qualquer outro problema que o produto apresente. Este Teu Mundo Não Cabe nos Meus Olhos não é um desses casos. Apesar do filme trazer uma importante mensagem sobre a inclusão das pessoas com deficiência visual, é difícil ignorar os muitos problemas de estrutura narrativa, desenvolvimento de personagens e construção de diálogos.

Vitório (Edson Celulari) é um chef cego e dono de uma pizzaria no bairro do Bixiga em São Paulo. Ele desempenha sozinho a função de pizzaiolo em seu restaurante e tem no garçom Cleomar (Leonardo Machado) seu principal confidente. O cotidiano de Vitório fica prestes a mudar quando a esposa dele, Clarice (Soledad Villamil), apresenta a ele um procedimento experimental que pode devolver a sua visão. Cego desde a infância, Vitório reluta em aceitar a sugestão da esposa e isso cria um conflito em sua família.

Os problemas surgem desde a construção inicial do conflito entre Clarice e Vitório, já que os personagens só irão se encontrar em cena quando o filme está perto da marca de meia hora. Como até então sequer sabíamos direito a natureza da relação dos dois ou da dinâmica entre eles, fica difícil embarcar ou se importar com o conflito que a trama cria ao redor dele. Isso piora quando percebemos que mesmo depois da apresentação desse conflito Clarice continua a aparecer pouco e ao longo do filme inteiro Vitório tem mais cenas com Cleomar do que com a esposa. Assim, a tensão entre os dois personagens nunca é desenvolvida de maneira satisfatória e fica mais rasa do que deveria.

Edson Celulari e Leonardo Machado desenvolvem uma química bem sincera entre Vitório e Cleomar, convencendo da amizade entre os dois personagens, mas o trabalho dos dois atores é prejudicado pelos diálogos ruins que pontuam as cenas entre eles e boa parte da projeção. Em muitos momentos, as conversas dos dois são usadas como meio da narrativa expor informações sobre o passado dos personagens, mas os diálogos são estruturados de maneira pouco coerente com o que o filme estabeleceu sobre a longeva relação entre aqueles dois.

Em dado momento é dito que Cleomar trabalha na pizzaria há mais de vinte anos, quando o pai de Vitório estava à frente do negócio, e assim soa estranho que durante uma conversa com Cleomar Vitório resolva dar uma longa explicação sobre como ele conheceu Clarice. Se os dois personagens se conhecem há décadas, então é impossível que Cleomar não tenha acompanhado o desenvolvimento da relação de Vitório com a esposa e não há motivo, exceto transmitir essas informações ao público, para que Vitório faça todo esse relato para o garçom. Aliás, Vitório praticamente não conversa com outras pessoas, suas falas são sempre solilóquios carregados de lições de moral e frases de efeito sobre ser capaz de enxergar o que está dentro das pessoas apesar de ser cego que martelam insistente e inorganicamente as mensagens da narrativa.

Inorgânicas também as situações que a trama cria para justificar algumas das motivações dos personagens. O assalto que motiva a decisão de Vitório em aceitar o procedimento soa mal concebido e forçado. Os assaltantes entram na pizzaria, que não está funcionando, sem saber se o local está cheio ou mesmo que Vitório é cego (faria mais sentido se eles já soubessem isso e entrassem ali de modo premeditado) e começam a retirar dinheiro da caixa-registradora do restaurante. Se a pizzaria não estava aberta ainda e não haviam clientes, como poderia haver dinheiro na caixa-registradora? Inclusive porque uma cena anterior mostra Clarice retirando todo o dinheiro do caixa e colocando em um envelope que leva consigo ao fechar o restaurante. A situação piora quando Vitório tenta resistir e é atacado por um dos assaltantes enquanto o outro argumenta que é melhor irem embora porque o estabelecimento deve ter câmeras. Ora, se o sujeito desconfiava que o lugar tinha câmeras, porque eles entraram para roubar sem sequer usar máscara? Que diferença fazia bater em um cego se as supostas câmeras (a pizzaria não tinha) já os tinham flagrado roubando o dinheiro e seus rostos estavam visíveis? Como toda a situação é artificial, a motivação de Vitório acaba também não convencendo.

A narrativa também tenta algumas subtramas, mas estas acrescentam pouco e acabam não indo a lugar algum. A ideia de que o médico responsável pelo procedimento de Vitório é um antigo namorado de Clarice nunca realmente se desenvolve à medida de ser um grande ponto de conflito. O mesmo pode ser dito sobre o esforço de Alicia (Giovana Echeverria) em conseguir uma bolsa para estudar no exterior. Aliás, o que a personagem vai estudar exatamente? O roteiro não diz, deixando tudo vago e genérico, evidenciando que se trata de um dispositivo arbitrário do roteiro e não uma decisão tomada por uma personagem plenamente realizada que existe um mundo crível.

O principal problema, no entanto, reside na maneira como a trama constrói sua mensagem final e a decisão de Vitório em reverter o processo e voltar a ser cego. Eu entendo que o filme queria nos dizer que os cegos não devem ser tratados como pessoas incompletas e inferiores, que devemos tratá-los como iguais e de maneira inclusiva. Porém, ao situar esse discurso ao redor de um tratamento médico que oferece uma "cura", a mensagem pode ser entendida como uma noção de conformismo, pedindo ao espectador que deixe de confiar na medicina e abra mão da esperança de uma possibilidade de restaurar sua visão ou de qualquer mudança em sua vida, apresentando a aceitação da cegueira como a única alternativa aceitável para lidar com essa situação. Eu sei que não é essa a mensagem que o filme quer passar, mas a maneira como o discurso é construído de fato se abre para essa possibilidade interpretativa e haviam maneiras menos dúbias do filme expressar suas ideias.

Desta maneira, as boas intenções de Teu Mundo Não Cabe nos Meus Olhos são lamentavelmente soterradas sob uma avalanche de problemas narrativos, situações artificiais e diálogos mal concebidos.


Nota: 3/10

Trailer

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