Quando escrevi sobre a primeira temporada de 13 Reasons Why falei que
apesar de ficar curioso sobre a resolução de algumas pontas soltas, em especial
o processo contra a escola e as denúncias de estupro contra Bryce (Justin
Prentice), não considerava que a série tinha material para sustentar uma
segunda temporada. Sugeri que talvez tivesse sido melhor que a temporada
tivesse dois ou três episódios a mais para resolver isso do que mais uma
temporada com outros treze episódios ou que ela tivesse permanecido do jeito
que estava, ficando como uma minissérie. Depois de ver essa segunda temporada,
fico triste em perceber que meu diagnóstico estava correto e o resultado é um
segundo ano inchado, arrastado, redundante e apologético. A partir desse ponto
o texto contém SPOILERS.
A trama começa meses depois da
temporada anterior com o início do julgamento do processo da mãe (Kate Walsh)
de Hannah (Katherine Langford) contra a escola. A acusação quer mostrar como a
escola foi negligente no tratamento do bulliyng
enquanto que a defesa tenta pintar Hannah como uma garota irresponsável e
namoradeira que sofreu as consequências das próprias ações. Ao mesmo tempo,
Clay (Dylan Minette, que este ano protagonizou o horrendo Vende-se Esta Casa) precisa lidar com o trauma ainda presente da
morte de Hannah e com a descoberta de que Bryce possivelmente estuprou mais
garotas além de Hannah e Jessica (Alisha Boe).
Essa temporada adota a mesma
estrutura que a anterior, com treze episódios e cada um deles focado em um
personagem específico, mas desde o primeiro episódio fica evidente que a
reprodução do formato é mais um grilhão do que uma necessidade. Boa parte dos
eventos gira em torno dos testemunhos dos personagens no processo contra a escola
e estes testemunhos se desdobram em longos flashbacks
que mostram o passado desses personagens e da própria Hannah. O problema é que
muitos flashbacks não trazem nenhuma
informação nova repetindo coisas que já sabíamos e mesmo quando um deles traz
um evento até então não mostrado, nenhum desses eventos é significativo o
suficiente para mudar ou aprofundar nossa percepção sobre os personagens ou o
que aconteceu com Hannah.
Um episódio inteiro dedicado aos flashbacks de Clay sobre o dia que ele
usou drogas com Hannah não diz nada que já não sabíamos sobre esses
personagens, do mesmo modo que ver a infância sofrida de Justin (Brandon Flynn)
não aprofunda em nada sua personalidade atormentada, já que desde a temporada
de estreia sabíamos de sua vida de pobreza e do fato que a amizade dele com o
rico Bryce significava para Justin uma bem-vinda fuga do seu cotidiano tacanho.
A primeira temporada já tinha exibido de maneira contundente (talvez até
demais, considerando a controvérsia que cercou o lançamento da série) as
variáveis que envolveram o suicídio de Hannah, tentar construir intriga ou
dúvida ao longo do julgamento sobre eventos tão bem sedimentados soa como um
dispositivo artificial para forçar intriga onde não hã nenhuma.
Outra questão são as tentativas
do roteiro em responder às críticas feitas em relação a vários elementos da
temporada anterior, como a representação do suicídio de Hannah ou a decisão da
personagem em gravar fitas explicando suas razões para tirar a própria vida. Eu
entendo que os realizadores queiram deixar claras as suas intenções e evitar
equívocos interpretativos perigosos, mas o modo como isso é feito aqui é
excessivamente didático e artificial. A todo momento pipocam diálogos que
explicam mastigadinho vários elementos da trama da temporada anterior, como
quando a "Hannah imaginária" que assombra Clay diz com todas as
letras e sem qualquer sutileza que as fitas não foram gravadas como uma forma
de vingança, algo que já era possível depreender na primeira temporada, mas que
aqui é explicitado como se estivéssemos assistindo uma videoaula sobre a série
e não a série em si.
Ocasionalmente a narrativa
consegue encontrar momentos eficientes de drama quando confronta os personagens
com os eventos da temporada anterior. Um exemplo é a cena em que a mãe de
Hannah encontra o vestido cheio de sangue que vestia quando encontrou o corpo
da filha ou nas sessões de fisioterapia de Alex (Miles Heizer), que tenta se
recuperar dos danos de sua fracassada tentativa de suicídio, ao lado de Zach
(Ross Butler). Nesses momentos "menores", longe de toda a tentativa
de criar um jogo de intrigas no tribunal, é que a narrativa demonstra o cuidado
que tem com seus personagens e suas jornadas, mas eventos muito pontuais em uma
trama desnecessariamente inchada.
A temporada só ganha fôlego a
partir do oitavo episódio quando as fitas de Hannah se tornam públicas e as
atenções da narrativa se volta para as denúncias de estupro contra Bryce. A
partir daí a série ganha força ao explorar toda a rede de impunidade que se
forma ao redor de um homem acusado de estupro (principalmente alguém tão rico
como Bryce), imediatamente questionando o caráter das vítimas e relativizando a
questão do consentimento. Também vemos o quanto é doloroso para as vítimas
falarem em público de suas experiências (principalmente quando são elas e não o
estuprador o alvo do escárnio público) e de superar esses acontecimentos para
tocar suas vidas para frente. O componente da intriga também funciona melhor
nessa segunda metade, com os personagens correndo contra o tempo para encontrar
provas materiais capazes de incriminar o estuprador, enquanto os aliados dele
fazem tudo para esconder evidências e intimidar testemunhas.
Na verdade, os flashbacks de Bryce são únicos da
temporada que de fato tem algo novo e relevante a acrescentar para a trama ao
revelar que Bryce tentou se envolver romanticamente com Hannah durante as
férias, mas fora rejeitado por ela. Essa informação serve a dois propósitos.
Ela consegue trazer certa medida de complexidade a Bryce ao mostrar ele
confidenciando suas inseguranças em relação aos pais para Hannah, mas ao mesmo
tempo ressalta a crueldade dele ao estuprar Hannah deixando evidente que ele
cometeu o ato por não aceitar a rejeição dela e não por algum tipo de "mal
entendido" como ele próprio alega. Assim, a série evita torná-lo uma
caricatura unidimensional, mostrando-o como um ser humano com sentimentos e
vulnerabilidades, sem em momento algum relativizar ou atenuar os crimes
hediondos por ele cometidos.
Em meio a tudo isso há o arco
envolvendo o deslocado Tyler (Devin Druid). Solitário e com poucas habilidades
de socialização, Tyler tenta se conectar com novos amigos, apenas para tudo dar
errado e ele se voltar a se ver sozinho. Desde a primeira vez que o vi atirando
na mata imaginei para onde a série levaria o personagem (um caminho que ficou
ainda mais evidente quando ele conscientemente mata um corvo) e me perguntei se
mais uma representação gráfica de violência teria realmente algo a acrescentar
ao argumento da série sobre bullying
e falta de alteridade. Felizmente a questão é resolvida sem recorrer a imagens
chocantes, mas ainda assim alcançando um impacto emocional convincente.
A série deixa o gancho para mais
uma temporada, mas, de novo, não sei se isso seria necessário. Imagino que os
realizadores queiram discutir a questão da violência com armas de fogo nas
escolas, uma discussão necessária, mas que não tenho certeza se a série tem
fôlego para fazer. Essa temporada já conseguiu apresentar de modo consistente
os motivos que levaram Tyler àquele extremo e, tirando uma explicação sobre
como ele conseguiu tantas armas apesar de ser menor de idade, não há muito mais
a ser explorado a respeito. Não imagino que exista aqui material suficiente
para sustentar mais treze episódios, de quase uma hora cada, sem cair nos
mesmos problemas vistos nesta temporada. Aliás, a questão da procedência das
armas já poderia ter sido trabalhada aqui se a trama não se ocupasse tanto em
repetir ideias, informações e eventos que já conhecíamos.
A segunda temporada de 13 Reasons Why tem sua parcela de bons
momentos, em especial na sua segunda metade, e continua a trazer uma discussão
necessária sobre saúde mental, mas faz pouco para ser capaz de justificar sua
própria existência graças a uma trama com problemas de ritmo, cheia de
redundâncias e excessos.
Nota: 6/10
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