Sob o risco de soar como um disco
arranhado, eu preciso dizer que não sei o que se passa com a Netflix e como a
realização de seus filmes de ficção consistentemente não tem dado bons
resultados. Recentemente a empresa de streaming
trouxe bons diretores como Duncan Jones e bons atores como Jared Leto em filmes
como Mudo e Dívida Perigosa e ambos foram muito abaixo do esperado. Agora a
Netflix trouxe o cineasta Andrew Niccol, de Gattaca
(1997) e O Senhor das Armas
(2005), para comandar a ficção-científica Anon
e o resultado mais uma vez é decepcionante.
A trama se passa em um futuro
próximo no qual todas as pessoas usam um implante no olho que funciona
simultaneamente como uma câmera, filmando e gravando tudo que é visto, e como
um computador. O trabalho da polícia é relativamente fácil, já que basta puxar
as imagens dos olhos das pessoas envolvidas no crime para saber o que
aconteceu. O detetive Sal Frieland (Clive Owen), no entanto, encontra um
desafio quando surge uma série de assassinatos nos quais as imagens do olho da
vítima foram apagadas e não há vestígio das imagens do olho do assassino. Os
crimes fazem Sal se lembrar de uma misteriosa mulher (Amanda Seyfred) que viu
na rua e seu olho não foi capaz de detectar qualquer informação sobre ela.
Se a premissa soa familiar é
porque a série Black Mirror já tinha
trabalhado com essas ideias no episódio Toda
a Sua História, da primeira temporada, e Crocodilo, da quarta temporada. Apesar de ser um tema que podia
render discussões interessantes sobre os problemas de uma sociedade de
vigilância constante na qual nada é esquecido, Anon não faz muito com sua premissa além de repetir ideias que já
vimos tanto em Black Mirror quanto na
série Person of Interest ou mesmo no
game Watch Dogs. Aliás, a própria interface dos olhos dos personagens, com
quadrados aparecendo ao redor dos rostos observados e informações aparecendo ao
lado assim como as linhas entre quadrados que marcam a navegação pelos menus,
são incomodamente similares ao design visual
dos dispositivos de vigilância vistos tanto em Person of Interest quanto em Watch
Dogs, assim o filme soa derivativo também em seus aspectos visuais e não só
nos narrativos.
Parte do problema do filme em
desenvolver suas ideias é seu ritmo arrastado. Boa parte da primeira metade da
narrativa se resume a um bando de pessoas sentadas olhando imagens de arquivo e
proferindo diálogos explicativos que expõem os temas em jogo com um certo
excesso de didatismo. Outro problema é que os personagens não são plenamente
desenvolvidos ao ponto desses temas reverberarem de maneira significativa.
Sal é o típico policial com um
trauma no passado e é evidente desde o início que o fato dele rever as imagens
do filho morto constantemente e não se permitir desapegar dessas memórias está
na raiz de seus problemas. Amanda Seyfred se sai melhor como a garota
misteriosa, conferindo-lhe certa ambiguidade que nos deixa em suspense quanto
às suas reais intenções, mas o roteiro deixa a atriz na mão na hora de expor as
motivações da personagem. Afinal, para pessoas do nosso mundo seria natural
rejeitar todo aquele aparato de vigilância e querer viver no anonimato, mas
para alguém nascido em um mundo como aquele, que não conhece outra forma de
viver, a ruptura com esse sistema precisaria de uma motivação consistente e
nesse sentido o texto nunca convence em nos fazer entender a hacker.
Como não conseguimos nos conectar
com nenhum dos dois personagens principais, toda a segunda metade do filme,
centrada no jogo de gato e rato entre eles, acaba perdendo força. Existem
ideias bacanas, que rendem um ou outro momento de tensão, como quando a hacker invade o olho de Sal e cria
várias alucinações, mas falta perigo e urgência nesses momentos e essa ausência
se dá principalmente por não darmos a mínima para o destino dos dois. A
resolução é igualmente inane, com o culpado sendo um personagem que mal
apareceu durante a trama, nunca figurou entre os suspeitos e não consegue
apresentar uma motivação interessante para suas ações e assim não há impacto algum na reviravolta.
A fita ainda apresenta várias
cenas de sexo recheadas de nudez, mas são filmadas de modo tão burocrático que
fica difícil saber porque elas estão na obra. Se a ideia era transformar a
narrativa em um suspense erótico, falta energia e sensualidade às cenas, por
outro lado se a intenção era expor a depravação dos personagens, falta sordidez
a elas.
Com tantos elementos que não
funcionam nem causam impacto, Anon acaba
sendo uma colcha de retalhos sem personalidade de várias ideias que já foram
desenvolvidas de maneira mais interessante por outras obras.
Nota: 4/10
Trailer
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