segunda-feira, 7 de maio de 2018

Crítica - Anon

Análise Crítica - Anon


Review - Anon
Sob o risco de soar como um disco arranhado, eu preciso dizer que não sei o que se passa com a Netflix e como a realização de seus filmes de ficção consistentemente não tem dado bons resultados. Recentemente a empresa de streaming trouxe bons diretores como Duncan Jones e bons atores como Jared Leto em filmes como Mudo e Dívida Perigosa e ambos foram muito abaixo do esperado. Agora a Netflix trouxe o cineasta Andrew Niccol, de Gattaca (1997) e O Senhor das Armas (2005), para comandar a ficção-científica Anon e o resultado mais uma vez é decepcionante.

A trama se passa em um futuro próximo no qual todas as pessoas usam um implante no olho que funciona simultaneamente como uma câmera, filmando e gravando tudo que é visto, e como um computador. O trabalho da polícia é relativamente fácil, já que basta puxar as imagens dos olhos das pessoas envolvidas no crime para saber o que aconteceu. O detetive Sal Frieland (Clive Owen), no entanto, encontra um desafio quando surge uma série de assassinatos nos quais as imagens do olho da vítima foram apagadas e não há vestígio das imagens do olho do assassino. Os crimes fazem Sal se lembrar de uma misteriosa mulher (Amanda Seyfred) que viu na rua e seu olho não foi capaz de detectar qualquer informação sobre ela.

Se a premissa soa familiar é porque a série Black Mirror já tinha trabalhado com essas ideias no episódio Toda a Sua História, da primeira temporada, e Crocodilo, da quarta temporada. Apesar de ser um tema que podia render discussões interessantes sobre os problemas de uma sociedade de vigilância constante na qual nada é esquecido, Anon não faz muito com sua premissa além de repetir ideias que já vimos tanto em Black Mirror quanto na série Person of Interest ou mesmo no game Watch Dogs. Aliás, a própria interface dos olhos dos personagens, com quadrados aparecendo ao redor dos rostos observados e informações aparecendo ao lado assim como as linhas entre quadrados que marcam a navegação pelos menus, são incomodamente similares ao design visual dos dispositivos de vigilância vistos tanto em Person of Interest quanto em Watch Dogs, assim o filme soa derivativo também em seus aspectos visuais e não só nos narrativos.

Parte do problema do filme em desenvolver suas ideias é seu ritmo arrastado. Boa parte da primeira metade da narrativa se resume a um bando de pessoas sentadas olhando imagens de arquivo e proferindo diálogos explicativos que expõem os temas em jogo com um certo excesso de didatismo. Outro problema é que os personagens não são plenamente desenvolvidos ao ponto desses temas reverberarem de maneira significativa.

Sal é o típico policial com um trauma no passado e é evidente desde o início que o fato dele rever as imagens do filho morto constantemente e não se permitir desapegar dessas memórias está na raiz de seus problemas. Amanda Seyfred se sai melhor como a garota misteriosa, conferindo-lhe certa ambiguidade que nos deixa em suspense quanto às suas reais intenções, mas o roteiro deixa a atriz na mão na hora de expor as motivações da personagem. Afinal, para pessoas do nosso mundo seria natural rejeitar todo aquele aparato de vigilância e querer viver no anonimato, mas para alguém nascido em um mundo como aquele, que não conhece outra forma de viver, a ruptura com esse sistema precisaria de uma motivação consistente e nesse sentido o texto nunca convence em nos fazer entender a hacker.

Como não conseguimos nos conectar com nenhum dos dois personagens principais, toda a segunda metade do filme, centrada no jogo de gato e rato entre eles, acaba perdendo força. Existem ideias bacanas, que rendem um ou outro momento de tensão, como quando a hacker invade o olho de Sal e cria várias alucinações, mas falta perigo e urgência nesses momentos e essa ausência se dá principalmente por não darmos a mínima para o destino dos dois. A resolução é igualmente inane, com o culpado sendo um personagem que mal apareceu durante a trama, nunca figurou entre os suspeitos e não consegue apresentar uma motivação interessante para suas ações e assim não há impacto algum na reviravolta.

A fita ainda apresenta várias cenas de sexo recheadas de nudez, mas são filmadas de modo tão burocrático que fica difícil saber porque elas estão na obra. Se a ideia era transformar a narrativa em um suspense erótico, falta energia e sensualidade às cenas, por outro lado se a intenção era expor a depravação dos personagens, falta sordidez a elas.

Com tantos elementos que não funcionam nem causam impacto, Anon acaba sendo uma colcha de retalhos sem personalidade de várias ideias que já foram desenvolvidas de maneira mais interessante por outras obras.


Nota: 4/10

Trailer

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